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Elogio da Loucura - CFH

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tão inclinado ao riso e às frivoli<strong>da</strong>des. Além disso, qualquer coisa que façam as senhorinhas<br />

com essa espécie de pessoas (e às vezes com to<strong>da</strong> espécie), parece-lhes uma brincadeira ou<br />

uma chacota, tão engenhoso e ladino é o belo sexo em colorir e mascarar os seus ardis.<br />

Voltando, pois, à felici<strong>da</strong>de dos loucos, devo dizer que eles levam uma vi<strong>da</strong> muito<br />

diverti<strong>da</strong> e depois, sem temer nem sentir a morte, voam direitinho para os Campos Elísios,<br />

onde as suas piedosas e fadiga<strong>da</strong>s almazinhas continuam a divertir-se ain<strong>da</strong> melhor do que<br />

antes. Confrontai, agora, a condição de qualquer sábio com a de um tolo. Imaginai, figurai,<br />

um homem venerável, ver<strong>da</strong>deiro modelo de sabedoria, e observai como faz a sua<br />

passagem pela terra. Constrangido desde a infância a consagrar-se ao estudo, passa a flor<br />

dos anos nas vigílias, nas aflições, na mais assídua fadiga; e, mal sai dessa dura escravidão,<br />

acha-se ain<strong>da</strong> mais infeliz do que nunca. Por isso é que, devendo viver com economia, com<br />

moderação, com tristeza, com severi<strong>da</strong>de, ele se torna cruel e pesado a si mesmo, incômodo<br />

e insuportável aos outros. Pálido, magro, enfermiço, ramelento, fraco, encanecido, velho<br />

antes do tempo, termina uma vi<strong>da</strong> infeliz com a morte prematura. Mas, que importa ao<br />

sábio morrer moço ou velho, quando se pode afirmar, com to<strong>da</strong> a razão, que nunca viveu?<br />

Com efeito, não se pode falar em viver quando não se gozam todos os prazeres <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />

Que vos parece, agora, esse belo retrato do sábio? Agra<strong>da</strong>-vos?<br />

Mas, já estou esperando que as importunas rãs que são os estóicos (67) venham atacarme<br />

com novos argumentos. E — dirão elas — uma insigne loucura não estará perto do<br />

furor, ou melhor, não poderá chamar-se um ver<strong>da</strong>deiro furor? Mas, que quer dizer ser<br />

furioso? Não significará, talvez, ter a mente perturba<strong>da</strong>? Como me inspiram pie<strong>da</strong>de esses<br />

filósofos! O mais <strong>da</strong>s vezes, não sabem o que dizem. Pois bem, se mo permitirem as musas,<br />

quero derrubar, quero destruir também esse paládio. Não posso negar que os estóicos sejam<br />

argumentadores sutis mas, por pouco que queiram ter reputação de bom senso, devem<br />

distinguir duas espécies de loucura, <strong>da</strong> mesma maneira por que Sócrates, segundo Platão,<br />

distinguia duas Vênus (68) e dois Cupidos. Afirmo que nem to<strong>da</strong>s as loucuras tornam<br />

igualmente infeliz o homem. Se assim não fosse, Horácio decerto não teria aplicado o<br />

epíteto de amável ao furor que invade os poetas e que revela o futuro. O citado Platão não<br />

teria incluído, entre os principais bens <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, o furor dos vates, dos adivinhos e dos<br />

amantes, e a Sibila Cumana não teria empregado esse vocábulo para exprimir as penas e os<br />

trabalhos de Enéias.<br />

Há, portanto, duas espécies de furor. Um vem do fundo do inferno, e são as fúrias que o<br />

man<strong>da</strong>m para a terra. Essas atrozes e vingativas divin<strong>da</strong>des tiraram <strong>da</strong> cabeça uma porção<br />

de serpentes e atiram suas escamas sobre os homens quando querem divertir-se em<br />

atormentá-los. Têm nisso as suas origens o furor <strong>da</strong> guerra, a hidrópica e devoradora sede<br />

do ouro, o infame e abominável amor, o parricídio, o incesto, o sacrilégio, o peso de<br />

consciência e todos os outros flagelos semelhantes de que se servem as fúrias para <strong>da</strong>r aos<br />

mortais uma amostra dos suplícios eternos.<br />

Existe, porém, outro furor inteiramente oposto ao precedente, e sou eu quem o<br />

proporciona aos homens, que deveriam desejá-lo sempre como o maior de todos os bens.<br />

Em que pensais que consista esse furor ou loucura? Consiste numa certa alienação de<br />

espírito que afasta do nosso ânimo qualquer preocupação incômo<strong>da</strong>, infundindo-lhe os mais<br />

suaves deleites. É justamente essa divagação que, como um insigne dom dos supremos<br />

deuses, deseja Cícero para si, quando diz a Ático que não pode mais suportar o peso de<br />

tantos males (69). Um grego, de cujo nome não me recordo, era do mesmo parecer, e a sua<br />

história é tão engraça<strong>da</strong> que eu até quero contá-la. Esse homem era louco de to<strong>da</strong>s as<br />

formas: desde manhã muito cedo até tarde <strong>da</strong> noite, ficava sentado sozinho no teatro e,

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