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quando surpreendidos numa mentira? Como sufocaríeis os ásperos e tormentosos<br />
escrúpulos que sentem os sábios pelo furto e pela usura? Como poderíeis deixar de travar<br />
convosco uma contínua guerra íntima? Ambicionais as digni<strong>da</strong>des e os bens eclesiásticos?<br />
Um burro e um búfalo poderiam consegui-los mais facilmente que um filósofo. Amais a<br />
volúpia? As mulheres que a têm como principal escopo procuram os tolos e fogem dos<br />
sábios como dos escorpiões. Quem, finalmente, deseje gozar os prazeres <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, deve<br />
cortar qualquer relação com os sábios e preferir tratar com a escória popular. Em suma,<br />
para resumir tudo numa única idéia, voltai-vos para todos os lados, e verieis que os papas,<br />
os príncipes, os juízes, os magistrados, os amigos, os inimigos, os grandes, os pequenos,<br />
todos, sem exceção, agem em virtude do ouro sonante. E, como o filósofo, fora do<br />
estritamente necessário, considere como esterco esse metal, não é de admirar que todos<br />
desprezem a sua intimi<strong>da</strong>de.<br />
***<br />
Mas, embora o meu elogio seja uma fonte inesgotável, não é justo abusar <strong>da</strong> vossa<br />
paciência entretendo-vos ain<strong>da</strong> mais com esta minha declamação, razão por que vos livrarei<br />
logo <strong>da</strong> fadiga de vossa atenção. Apenas vos peço um pequeno favor, necessário à minha<br />
glória. Talvez haja aqui presentes (uma vez que os maus costumam imiscuir-se sempre<br />
entre os bons), alguns sábios que digam ser eu bela somente aos meus próprios olhos, e não<br />
faltarão senhores legistas que aleguem o fato de eu não haver citado nenhum texto em meu<br />
favor. Citemos, pois, como fazem eles, a torto e a direito.<br />
Antes de mais na<strong>da</strong>, não se pode pôr em dúvi<strong>da</strong> o conhecido provérbio que diz: Quando<br />
falta uma coisa, é preciso representá-la, o que é inteiramente confirmado por esta sentença<br />
que se costuma ensinar até aos meninos: Procura-se muita sabedoria para se poder passar<br />
por louco. Julgai, pois, se a loucura deve ou não ser incluí<strong>da</strong> entre os maiores bens, quando<br />
os próprios sábios tributavam louvores à sua imagem e à sua sombra falaz. Mas, Horácio,<br />
que a si mesmo se chama o lúcido e bem nutrido porco de Epicuro, exprime a coisa com<br />
maior naturali<strong>da</strong>de, quando aconselha a temperar a loucura com a sabedoria. Ele desejaria,<br />
é certo, que essa loucura fosse de curta duração, mas, a esse respeito, revela, a meu ver,<br />
pouco critério. O mesmo poeta diz nas suas Odes: É um grande prazer ser louco quando se<br />
deseja sê-lo. Em outro lugar, diz preferir parecer estranho e ignorante a parecer sábio e<br />
furioso. Homero, que por to<strong>da</strong> a parte louva muitíssimo o seu Telêmaco, não deixa de o<br />
chamar várias vezes de menino tolo; e os trágicos gostam de <strong>da</strong>r aos jovens o epíteto de<br />
tolo e imprudente, como um epíteto de bom augúrio. Qual é o argumento <strong>da</strong> divina Ilía<strong>da</strong>?<br />
Não serão, talvez, os furores e as loucuras dos reis e dos povos? Cícero nunca se orientou<br />
tão bem, por mim, como quando disse: To<strong>da</strong>s as coisas estão cheias de loucura. Ora,<br />
convireis que, quanto mais extenso é um bem tanto mais excelente é ele.<br />
Mas, é possível que os autores citados tenham pouca autori<strong>da</strong>de para os cristãos. Pois<br />
bem: apoiarei, se julgais conveniente, ou, para exprimir-me teologicamente, fun<strong>da</strong>rei o meu<br />
elogio no testemunho <strong>da</strong>s sagra<strong>da</strong>s escrituras. Permiti que o faça, senhores nossos mestres,<br />
é o que vos peço humildemente. A empresa é bastante difícil e exigiria pelo menos uma boa<br />
invocação às musas; mas, por outro lado, seria uma indiscrição fazer descer pela segun<strong>da</strong><br />
vez, do monte Helicão, essas nove virgenzinhas, pois bem vedes que o caminho é muito<br />
longo. Além disso, a matéria que devo abor<strong>da</strong>r na<strong>da</strong> tem que ver com Apolo. Portanto, seria<br />
melhor que, dispondo-me eu a me arvorar em teóloga e a correr sobre os espinhos<br />
teologais, se dignasse o espírito de Scot a passar <strong>da</strong> sua Sorbonne para o meu ânimo. Ah!