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Elogio da Loucura - CFH

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para não chegar a um mau fim. Não basta oferecer uma pequena moe<strong>da</strong> para obter perdões<br />

e indulgências: é preciso, ain<strong>da</strong>, odiar o mal, chorar, velar, rezar, jejuar, numa palavra,<br />

mu<strong>da</strong>r de vi<strong>da</strong>, praticando constantemente o Evangelho. Confiais em algum santo? Pois<br />

segui os seus exemplos, vivei como ele viveu, e assim merecereis a graça do vosso santo<br />

protetor”. Aqui entre nós: esse moralista não an<strong>da</strong>ria mal falando dessa forma, mas, ao<br />

mesmo tempo tiraria os homens de um estado de felici<strong>da</strong>de, para lançá-los na miséria e na<br />

dor.<br />

Uma palavrinha acerca de uma espécie de doidos, porque seria um grande mal não os<br />

pôr igualmente em cena, quando honram tanto o meu império. Quero referir-me aos ricos<br />

que, vendo chegar o fim dos seus dias, providenciam grandiosos preparativos para uma<br />

passagem magnífica ao túmulo. É com grande prazer que se observa como esses<br />

moribundos se aplicam seriamente às suas pompas fúnebres. Estabelecem, artigo por artigo,<br />

quantos círios e quantas velas devem arder nos seus funerais, quantas pessoas vesti<strong>da</strong>s de<br />

luto, quantos músicos, quantos carpidores devem acompanhar o féretro, como se, depois de<br />

mortos, ain<strong>da</strong> pudessem conservar alguma consciência para gozar o espetáculo, ou<br />

soubessem ao certo que os mortos costumam ficar envergonhados quando os seus<br />

cadáveres não são sepultados com a magnificência exigi<strong>da</strong> por seu próprio estado.<br />

Finalmente, parece que esses ricos consideram a morte como um cargo de edil, que os<br />

obrigue a ordenar festas populares e banquetes.<br />

Embora seja fecundíssimo o meu assunto, sendo eu força<strong>da</strong> a tratá-lo superficialmente,<br />

não poderei, contudo, silenciar sobre esses grandes panegiristas, esses vaidosos<br />

apreciadores <strong>da</strong> própria nobreza. Não é raro encontrar, entre estes, os que, com ânimo<br />

abjeto e vilíssimas e plebéias inclinações, vos pasmem à força de repetir: “Sou um fi<strong>da</strong>lgo”.<br />

Convém provar a antigüi<strong>da</strong>de de suas estirpes? Um descende do piedoso Enéias; outro<br />

remonta ao primeiro cônsul de Roma; este procede, em linha reta, do rei Artur. Além disso,<br />

mostram as estátuas e os retratos dos antepassados: enumeram os bisavós e os tataravós;<br />

recor<strong>da</strong>m os antigos sobrenomes e os feitos dos seus maiores. Enquanto isso, pouco<br />

diferem eles de uma estátua mu<strong>da</strong>, e eu os diria mesmo quase inferiores às próprias figuras<br />

que vão mostrando. Esses idiotas fazem um alto conceito de si mesmos e estão sempre<br />

cheios <strong>da</strong> estéril idéia de sua ascendência. O que é fato, porém, é que imbuídos dessa<br />

quimera, levam uma vi<strong>da</strong> contente e feliz. Ora, o que contribui, em grande parte, para que<br />

em tão boa conta se tenha esse belo fantasma de nobreza, é justamente o respeito que o<br />

vugo insano demonstra por eles, parecendo até enxergar nesse gênero de bestas, nesses<br />

nobres sem mérito, outras tantas divin<strong>da</strong>des.<br />

Mas, ao tratar do amor próprio, porque hei de me restringir a uma ou duas espécies<br />

apenas de loucura? Quantos meios surpreendentes não possuirá o meu caro amor próprio,<br />

que vedes aqui presente, para impedir que o homem fique desgostoso de si mesmo? Olhai<br />

aquele rosto: não há macaco mais feio, nem mais disforme; no entanto, julga-se um lindo<br />

rapaz. E, perto dele, o outro que traça duas ou três linhas com exatidão, à força de<br />

compasso! Intimamente, já se aplaude, julgando-se um Euclides. E aquele que está<br />

cantando, ain<strong>da</strong> pior que um galo? Não importa: pensa ter uma voz paradisíaca. To<strong>da</strong>via,<br />

também essa espécie de loucura é ver<strong>da</strong>deiramente agradável. Alguns possuem um<br />

numeroso bando de criados, ca<strong>da</strong> qual com uma boa quali<strong>da</strong>de, e julgam que essas boas<br />

quali<strong>da</strong>des lhes sejam peculiares. Tal era, segundo Sêneca, aquele rico duplamente feliz<br />

que, ao pretender contar alguma história, tinha sempre ao redor os escravos, que lhe<br />

auxiliavam a memória, sugerindo-lhe os vocábulos adequados, mesmo os mais comuns.<br />

Esse senhor, era, além disso, tão fraco que bastava um pequeno sopro de vento para levá-lo

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