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serem igualmente boas as duas proposições: Sócrates, corres e Sócrates corre, se os<br />
teólogos de Oxford não tivessem querido fazer sabê-lo, fulminando as duas proposições<br />
condenáveis? Como se teria purgado a Igreja de tantos erros, se não tivesse podido<br />
distingui-los antes de ter sido aplicado o grande sigilo <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de às proposições<br />
condena<strong>da</strong>s?<br />
Não considerareis felicíssimas essas pessoas? Mas, prossigamos ain<strong>da</strong> um pouco.<br />
Quantas lin<strong>da</strong>s lorotas não vão esses doutores impingindo a respeito do inferno? Conhecem<br />
tão bem todos os seus apartamentos, falam com tanta franqueza <strong>da</strong> natureza e dos vários<br />
graus do fogo eterno, e <strong>da</strong>s diversas incumbências dos demônios, discorrem, finalmente,<br />
com tanta precisão sobre a república dos <strong>da</strong>nados, que parecem já ter sido ci<strong>da</strong>dãos <strong>da</strong><br />
mesma durante muitos anos. Além disso, quando julgam conveniente, não se poupam o<br />
trabalho de criar ain<strong>da</strong> novos mundos, como o mostraram formando o décimo céu, por eles<br />
denominado empíreo e fabricado expressamente para os beatos, sendo mais do que justo<br />
que as almas glorifica<strong>da</strong>s tivessem uma vasta e deliciosa mora<strong>da</strong> para aí gozarem de todo o<br />
conforto, divertindo-se juntas e até jogando a péla quando tivessem vontade.<br />
Os nossos finos pensadores têm a cabeça tão cheia, tão agita<strong>da</strong> por essas bobagens, que<br />
decerto não estava mais cheia a cabeça de Júpiter quando, ao querer parir Minerva,<br />
implorou o socorro do machado de Vulcano. Não vos admireis, pois, ao vê-los aparecer nas<br />
defesas públicas com a cabeça cui<strong>da</strong>dosamente cingi<strong>da</strong> com tantas faixas, pois não fazem<br />
senão procurar impedir, por meio desses respeitáveis liames, que ela arrebente de todos os<br />
lados em virtude <strong>da</strong> porção de ciência de que o seu cérebro se acha sobrecarregado. Não<br />
posso deixar de rir (podeis, agora, ver se não se trata de um grande argumento, pois que a<br />
<strong>Loucura</strong> raramente ri), não posso deixar de rir ao escutar essas célebres personagens, que<br />
nem sequer falam, mas balbuciam. Só se reputam teólogos quando perfeitos senhores de<br />
sua bárbara e porca linguagem, que só pode ser entendi<strong>da</strong> pelos <strong>da</strong> arte; gabam-se disso,<br />
chamando-lhe agudeza e dizendo com arrogância que não falam para o vulgo profano; e<br />
acrescentam que a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s santas escrituras não permite subordiná-las às regras<br />
gramaticais. Admiremos a majestade dos teólogos! Somente a eles é permitido falar<br />
incorretamente e, quando muito, se concede que o vulgo lhes dispute essa prerrogativa.<br />
Finalmente, os teólogos se colocam imediatamente depois dos deuses e quando, por uma<br />
espécie de religiosa veneração, se ouvem chamar nossos mestres, imaginam ver nesse título<br />
alguma coisa <strong>da</strong>quele inefável nome composto de seis letras e tão adorado pelos judeus.<br />
Nessa presunção, querem que se escreva MESTRE NOSSO, com letras maiúsculas, sendo esse<br />
título tão misterioso que, se em latim se modificasse a ordem <strong>da</strong>s duas palavras e se pusesse<br />
o Nosso antes do Mestre, tudo estaria perdido, ou pelo menos sofreria um grande vexame a<br />
majestade do nome teológico.<br />
Depois desses, segue-se imediatamente a espécie melhor do gênero animal, isto é, os<br />
que vulgarmente se chamam monges ou religiosos. Seria, porém, abusar grosseiramente dos<br />
termos chamá-los, ain<strong>da</strong> hoje, por tais nomes. Com efeito, por via de regra, não há pessoas<br />
mais irreligiosas do que essas e, como a palavra monge significa solitário, parece-me não se<br />
poder aplicá-la mais ironicamente as pessoas que se encontram em to<strong>da</strong> parte,<br />
acotovelando-se a ca<strong>da</strong> passo. Sem o meu socorro, que seria desses pobres porcos dos<br />
deuses? São de tal forma odiados que, quando por acaso são vistos, costuma-se tomá-los<br />
por aves de mau agouro. Isso não impede que cuidem escrupulosamente <strong>da</strong> sua conservação<br />
e se considerem personagens de alta importância. A sua principal devoção consiste em não<br />
fazer na<strong>da</strong>, chegando ao ponto de nem ler. Sem <strong>da</strong>r-se ao trabalho de entender os salmos, já<br />
se julgam demasiados doutos quando lhes conhecem o número, e, quando os cantam em