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Elogio da Loucura - CFH

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que esse homem seja ver<strong>da</strong>deiramente feliz? Responder-me-eis que, assim parecendo, é<br />

preciso renunciar completamente à esperança de ser aplaudido pelos ver<strong>da</strong>deiros doutos!<br />

Bolas! que grande sacrifício! Raramente sucede que esses críticos sábios e requintados<br />

dêem importância ao meu autor. Mas, mesmo admitindo que todos eles o lessem, seria<br />

igualmente dispensável o seu sufrágio para secun<strong>da</strong>r o dos tolos e ignorantes, que<br />

representam a opinião de quase todo o gênero humano. Poreis em dúvi<strong>da</strong> essa ver<strong>da</strong>de?<br />

Compreendem-na ain<strong>da</strong> melhor os plagiários (81) que com suas facili<strong>da</strong>des se apropriam<br />

<strong>da</strong>s obras alheias, gozando <strong>da</strong> glória que aqueles dos quais eles a roubaram conseguiram<br />

com imensa dificul<strong>da</strong>de. Não ignoram esses impudentes que, mais dia menos dia, será<br />

descoberto o furto, mas, em compensação, esperam aproveitar-se dele por algum tempo. É<br />

um prazer doido ver como se pavoneiam quando elogiados; quando, ao passar por um<br />

lugar, são apontados e ouvem dizer: — Olhe, aquele ali é um homem ver<strong>da</strong>deiramente<br />

admirável; quando vêem seus livros bem juntinhos e bem expostos na loja de algum<br />

livreiro. Seus nomes são lidos no alto de ca<strong>da</strong> página, e são no mínimo três todos<br />

estrangeiros, parecendo caracteres mágicos. Esses nomes — por Júpiter imortal! — não têm<br />

significação alguma, mas não deixam, em substância, de ser ver<strong>da</strong>deiros nomes!<br />

Considerando-se, além disso to<strong>da</strong> a vastidão <strong>da</strong> terra, pode dizer-se que pouquíssimos são<br />

que os louvam, não sendo muito diverso do dos ignorantes o gosto dos sábios. Costuma<br />

também acontecer, freqüentemente, que esse nomes são inventados e tomados de<br />

empréstímo aos antigos. Há, por exemplo, os que gostam de se chamar Telêmaco, outros<br />

Esteleno, outro Laerte, outros Polícrates, outro Trasímaco, etc. Os nossos plagiários<br />

sentem-se orgulhosos de fazer reviver esses nomes mortos e adotá-los, mas fariam bem,<br />

igualmente, se se chamassem camaleões, abóboras, etc., e, segundo o uso de alguns<br />

filósofos, dessem aos seus livros os títulos de A ou B. É engraçadíssimo ver essas azêmolas<br />

incensarem-se entre si nas letras, nas poesias e nos elogios. — Venceste Alceu (82) — diz<br />

um. — E vós, Calímaco (83) — responde o outro. — Eclipsastes o orador romano. — E<br />

vós superastes o divino Platão. — Às vezes, esses generosos campeões injuriam-se<br />

reciprocamente, a fim de aumentarem pela emulação a própria fama. Enquanto isso, o<br />

público fica suspenso, sem saber que partido tomar durante a polêmica. Mas, em geral,<br />

acontece que os bravos antagonistas fazem prodígios, merecendo ambos os louros <strong>da</strong><br />

vitória e as honras do triunfo. No entanto, vós, sábios, vos rides dessas belas coisinhas e as<br />

considerais como ver<strong>da</strong>deiras loucuras. E quem poderá dizer que não tendes razão? Não<br />

podeis mesmo negar que somente eu faço a felici<strong>da</strong>de dos maus escritores e dos plagiários,<br />

que decerto não trocariam os seus triunfos pelos dos Alexandres ou dos Cipiões. Mas,<br />

acreditarão esses doutos, que eu vejo rir tão gostosamente, zombando <strong>da</strong> loucura alheia, que<br />

não me devem também alguma obrigação? Se assim é, fiquem certos de que ou são cegos<br />

ou miseravelmente ingratos. Passemos, pois, em revista as profissões dos doutos.<br />

Pretendem os advogados levar a palma sobre todos os eruditos e fazem um grande<br />

conceito <strong>da</strong> sua arte. Ora, para vos ser franca, a sua profissão é, em última análise, um<br />

ver<strong>da</strong>deiro trabalho de Sísifo (84). Com efeito, eles fazem uma porção de leis que não<br />

chegam a conclusão alguma. Que são o digesto, as pandectas, o código? Um amontoado de<br />

comentários, de glosas, de citações. Com to<strong>da</strong> essa mixórdia, fazem crer ao vulgo que, de<br />

to<strong>da</strong>s as ciências, a sua é a que requer o mais sublime o laborioso engenho. E, como sempre<br />

se acha mais belo o que é mais difícil, resulta que os tolos têm em alto conceito essa<br />

ciência.<br />

Podemos unir a esses, com to<strong>da</strong> a honra, os dialéticos e os sofistas, que fazem mais<br />

barulho do que todo o bronze dodôneo (85), sendo que ca<strong>da</strong> um deles poderia superar em

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