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Elogio da Loucura - CFH

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seiva <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Reparai, agora, um pouco, como os meus tolos são gordos, lúcidos e bem<br />

nutridos, ao ponto de parecerem ver<strong>da</strong>deiros porcos acarnânios (27). Esses felizes mortais<br />

não sentiriam nenhum incômodo na velhice, se nenhum contato tivessem com os sábios.<br />

Infelizmente, porém, isso acontece. Que fazer? Vê-se claramente que o homem não nasceu<br />

para gozar aqui na terra de uma felici<strong>da</strong>de perfeita.<br />

Tenho ain<strong>da</strong> em meu favor o importante testemunho de um famoso provérbio que diz:<br />

Só a loucura tem a virtude de prolongar a juventude, embora fugacíssima, e de retar<strong>da</strong>r<br />

bastante a malfa<strong>da</strong><strong>da</strong> velhice. Compreende-se, pois, o que em geral se diz dos belgas; ao<br />

passo que em todos os outros homens a prudência cresce na proporção dos anos, neles, ao<br />

contrário, a loucura está na proporção <strong>da</strong> velhice. Pode-se dizer, portanto, que não há no<br />

mundo nenhuma nação mais jovial nem mais alegre do que essa no comércio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, nem<br />

que sinta menos o aborrecimento dos anos. Citemos porém, além dos belgas, os povos que<br />

vivem sob o mesmo clima e cujos costumes são quase os mesmos: quero referir-me aos<br />

meus holandeses, que eu posso gabar-me de ter entre os meus mais fiéis adoradores.<br />

Nutrem por mim tanto afeto e tanto zelo que foram julgados dignos de um epíteto derivado<br />

do meu nome e, muito longe de se envergonharem, o consideram sua glória principal.<br />

Invoquem tudo isso os estultíssimos mortais, invoquem Circe, Medéia, Vênus, a Aurora,<br />

e procurem também aquela não sei que fortuna que tem a virtude de rejuvenescer, virtude<br />

que somente eu, contudo, posso e costumo praticar. Só eu possuo o elixir admirável com o<br />

qual a filha de Menão prolongou a juventude de Titão, seu avô. Fui eu quem rejuvenesceu<br />

Vênus, assim como Faão, por quem Safo andou perdi<strong>da</strong>mente apaixona<strong>da</strong>. São minhas<br />

aquelas ervas, se é que existem, meus aqueles encantamentos, minha aquela fonte, que não<br />

só restituem a passa<strong>da</strong> juventude, mas, o que é mais desejável, a tornam perpétua. Se,<br />

portanto, concor<strong>da</strong>is que não há na<strong>da</strong> mais precioso do que a juventude e mais detestável do<br />

que a velhice, posso concluir que reconheceis a dívi<strong>da</strong> que tendes para comigo, sim, para<br />

comigo, pois que, para vos tornar felizes, sei prolongar tamanho bem e retar<strong>da</strong>r um mal tão<br />

grande.<br />

Mas, porque falar ain<strong>da</strong> mais dos mortais? Percorrei todo o céu, analisai to<strong>da</strong>s as<br />

divin<strong>da</strong>des: ficarei satisfeita por me insultarem o belo nome que tenho a honra de trazer, se<br />

for encontra<strong>da</strong> uma só divin<strong>da</strong>de que não deva exclusivamente a mim todo o seu poder. Por<br />

favor: por que Baco tem sempre, como um rapazinho, o rosto rubicundo e a longa cabeleira<br />

loura? É porque passa a vi<strong>da</strong> fora de si, embriagado nos banquetes, nos bailes, nas festas,<br />

nos folguedos, recusando qualquer relação com Minerva. E tão alheio é à ambição de trazer<br />

o nome de sábio que gosta de ser venerado com escárnios e zombarias. Nem mesmo se<br />

ofende com o provérbio que lhe dá o sobrenome de Ridículo, sobrenome que mereceu<br />

porque, sentado à porta do templo, e divertindo-se os camponeses em emporcalhá-lo de<br />

mosto e de figos frescos, ele se ria de arrebentar os queixos. E quantos golpes satíricos não<br />

desferiu contra esse deus a Comédia Antiga? (28) — O estólido, o insulso deus! —<br />

exclamava-se. — Indigno de nascer no meio <strong>da</strong> rua! — Mas, dizei-me sem simulação:<br />

quem de vós, a ser esse deus, estólido e insulso, mas sempre alegre, sempre jovem, sempre<br />

feliz, sempre motivo de prazer e alegria gerais, preferiria ser aquele Júpiter simulador,<br />

terror do mundo inteiro, ou o velho Pã, que com o seu barulho espalha temores pânicos, ou<br />

o defeituoso Vulcano, todo enfumarado e cansado do estafante trabalho, ou a própria Palas,<br />

terrível pela lança e pela cabeça de Medusa, e que a todos encara com um olhar feroz?<br />

Passemos a outras divin<strong>da</strong>des. Sabeis porque Cupido se conserva sempre moço? É<br />

porque só se ocupa com bagatelas, porque está sempre brincando e rindo, sem juízo e sem<br />

reflexão alguma, correndo puerilmente de um lado para outro, sem saber ao menos o que se

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