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Elogio da Loucura - CFH

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império, por ter deixado como sucessor o seu filho Cômodo, do que o favoreceu com sua<br />

administração. Os homens que se consagram ao estudo <strong>da</strong> ciência são, em geral,<br />

infelicíssimos em tudo, sobretudo com os filhos. Suponho que isso provenha de uma<br />

precaução <strong>da</strong> natureza, que dessa forma procura impedir que a peste <strong>da</strong> sabedoria se<br />

difun<strong>da</strong> em excesso entre os mortais. O filho de Cícero degenerou, e, quanto aos dois filhos<br />

do sábio Sócrates, mais se pareciam com a mãe do que com o pai, isto é, como foi<br />

acerta<strong>da</strong>mente interpretado por alguém, eram ambos idiotas.<br />

Isso não seria na<strong>da</strong> se esses filósofos só fossem incapazes de exercer os cargos e<br />

empregos públicos; o pior, porém, é que estão longe de ser melhores para as funções e os<br />

deveres <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Convi<strong>da</strong>i um sábio para um banquete, e vereis que ou conservará um<br />

profundo silêncio ou interromperá os demais convi<strong>da</strong>dos com frívolas e importunas<br />

perguntas. Convi<strong>da</strong>i-o para um baile, e <strong>da</strong>nçará com a agili<strong>da</strong>de de um camelo. Levai-o a<br />

um espetáculo, e bastará o seu aspecto para impedr que o povo se divirta. Por se ter<br />

recusado obstina<strong>da</strong>mente a abandonar sua imponente gravi<strong>da</strong>de, é que o sábio Catão (41)<br />

foi constrangido a retirar-se. Entra o sábio em alguma palestra alegre? Logo todos se calam,<br />

como se tivessem visto o lobo. Trata-se, porém, de comprar, de vender, de concluir um<br />

contrato, em suma, de fazer uma dessas coisas que diariamente sucedem a ca<strong>da</strong> um?<br />

Tomareis o sábio mais por uma estátua do que por um homem, a tal ponto se mostra ele<br />

embaraçado em ca<strong>da</strong> negócio. Assim, o filósofo não é bom, nem para si, nem para o seu<br />

país, nem para os seus. Mostrando-se sempre novo no mundo, em oposição às opiniões e<br />

aos costumes <strong>da</strong> universali<strong>da</strong>de dos ci<strong>da</strong>dãos, atrai o ódio de todos com sua diferença de<br />

sentimentos e de maneiras.<br />

Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. São loucos tratando com loucos. Por<br />

conseguinte, se houver uma única cabeça que preten<strong>da</strong> opor obstáculo à torrente <strong>da</strong><br />

multidão, só lhe posso <strong>da</strong>r um conselho: que, a exemplo de Timão (42), se retire para um<br />

deserto, a fim de aí gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria.<br />

Mas, voltando ao assunto: que virtude, que poder já reuniu, no recinto de uma ci<strong>da</strong>de,<br />

homens naturalmente rudes, indômitos e selvagens? Quem já pôde humanizar esses ferozes<br />

animais? A adulação. Nesse sentido é que se devem entender a fábula de Anfião (43) e a<br />

citara de Orfeu. Quem reanimou e reuniu a plebe romana, quando ameaçava dissolver-se?<br />

Foi, acaso, uma oração filosófica? Decerto que não: foi um ridículo, um pueril apólogo<br />

sobre a revolta dos membros contra o estômago (44). Temístocles (45) produziu o mesmo<br />

efeito com o seu apólogo <strong>da</strong> raposa e o ouriço. Empregue, pois, o sábio os mais tolos<br />

conceitos <strong>da</strong> filosofia, e jamais triunfará como um Sertório (46) com sua imaginária corça<br />

ou o engraçado ardil <strong>da</strong> cau<strong>da</strong> dos dois cavalos. Não alcançará nunca o seu objetivo como o<br />

alcançaram os dois cães do célebre legislador de Esparta (47). Já não falo de Minos nem de<br />

Numa (48), que por meio de fabulosas invenções souberam tirar proveito <strong>da</strong> ignorância<br />

popular. É sempre com semelhante puerili<strong>da</strong>des que se faz mover a grande e estúpi<strong>da</strong> besta<br />

que se chama povo.<br />

Dizei-me se houve uma única ci<strong>da</strong>de que tenha adotado as leis de Platão e de<br />

Aristóteles, ou as máximas de Sócrates (49). Respondei-me: que motivo levou os Décios,<br />

pai e filho, a se consagrarem aos deuses infernais? Que ganhou Cúrcio precipitando-se na<br />

voragem (50)? Tudo foi obra <strong>da</strong> glória, dessa dulcíssima sereia que, por isso, foi muito<br />

condena<strong>da</strong> por nossos sábios. É por isso que eles exclamam: — Pode haver maior loucura<br />

que a de um candi<strong>da</strong>to que adula suplicentemente o povo para conquistar honras e que<br />

compra o seu favor à custa de liberalismo? que a <strong>da</strong>quele que recebe servil e humildemente<br />

os aplausos dos mentecaptos? <strong>da</strong>quele que fica lisonjeado com as aclamações populares?

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