18.04.2013 Views

Elogio da Loucura - CFH

Elogio da Loucura - CFH

Elogio da Loucura - CFH

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

proteção, a sua força e a sua virtude langueceriam e se desvaneceriam completamente (25).<br />

Foi, por conseguinte, dessa agradável brincadeira, por mim tempera<strong>da</strong> com o riso, o<br />

prazer e a amorosa embriaguez, que saíram os carrancudos filósofos, agora substituídos<br />

pelos homens vulgarmente chamados frades, os purpúreos monarcas, os pios sacerdotes e<br />

os pontífices três vezes santíssimos. Finalmente, dessa brincadeira é que também surgiu<br />

to<strong>da</strong> a turba <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des poéticas; turba tão imensa que o céu, embora muito espaçoso,<br />

mal pode contê-la. Mas, pouco amiga seria eu <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, se, depois de vos provar que de<br />

mim tivestes o gérmen e o desenvolvimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, não vos demonstrasse ain<strong>da</strong> que<br />

provêm <strong>da</strong> minha liberali<strong>da</strong>de todos os bens que a vi<strong>da</strong> encerra.<br />

Que seria esta vi<strong>da</strong>, se é que de vi<strong>da</strong> merece o nome, sem os prazeres <strong>da</strong> volúpia? Oh!<br />

Oh! Vós me aplaudis? Já vejo que não há aqui nenhum insensato que não possua esse<br />

sentimento. Sois todos nuito sábios, uma vez que, a meu ver, loucura é o mesmo que<br />

sabedoria. Podeis, pois, estar certos de que também os estóicos não desprezam a volúpia,<br />

embora astutamente se finjam alheios a ela e a ultrajem com mil injúrias diante do povo, a<br />

fim de que, amendontrando os outros, possam gozá-la mais freqüentemente. Mas,<br />

admitindo que esses hipócritas declamem de boa fé, dizei-me, por Júpiter, sim, dizei-me se<br />

há, acaso, um só dia na vi<strong>da</strong> que não seja triste, desagradável, fastidioso, enfadonho,<br />

aborrecido, quando não é animado pela volúpia, isto é pelo condimento <strong>da</strong> loucura. Tomo<br />

Sóflocles por testemunho irrefragável, Sóflocles (26) nunca bastante louvado. Oh! nunca se<br />

me fez tanta justiça! Diz ele, para minha honra e minha glória: “Como é bom viver! mas,<br />

sem sabedoria, porque esta é o veneno <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”. Procuremos explicar essa proposição.<br />

Todos sabem que a infância é a i<strong>da</strong>de mais alegre e agradável. Mas, que é que torna os<br />

meninos tão amados? Que é que nos leva a beijá-los, abraçá-los e amá-los com tanta<br />

afeição? Ao ver esses pequenos inocentes, até um inimigo se enternece e os socorre. Qual é<br />

a causa disso? É a natureza, que, procedendo com sabedoria, deu às crianças um certo ar de<br />

loucura, pelo qual elas obtêm a redução dos castigos dos seus educadores e se tornam<br />

merecedoras do afeto de quem as tem ao seu cu<strong>da</strong>do. Ama-se a primeira juventude que se<br />

sucede à infância, sente-se prazer em ser-lhe útil, iniciá-la, socorrê-la. Mas, de quem recebe<br />

a meninice os seus atrativos? De quem, se não de mim, que lhe concedo a graça de ser<br />

amaluca<strong>da</strong> e, por conseguinte, de gozar e de brincar? Quero que me chamem de mentirosa,<br />

se não for ver<strong>da</strong>de que os jovens mu<strong>da</strong>m inteiramente de caráter logo que principiam a ficar<br />

homens e, orientados pelas lições e pela experiência do mundo, entram na infeliz carreira<br />

<strong>da</strong> sabedoria. Vemos, então, desvanecer-se aos poucos a sua beleza, diminuir a sua<br />

vivaci<strong>da</strong>de, desaparecerem aquela simplici<strong>da</strong>de e aquela candura tão aprecia<strong>da</strong>s. E acaba<br />

por extinguir-se neles o natural vigor.<br />

Por tudo isso, observai, senhores, que, quanto mais o homem se afasta de mim, tanto<br />

menos goza dos bens <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, avançando de tal maneira nesse sentido que logo chega à<br />

fastidiosa e incômo<strong>da</strong> velhice, tão insuportável para si como para os outros. E, já que<br />

falámos de velhice, não fiqueis aborrecidos se por um momento chamo para ela a vossa<br />

atenção. Oh! como os homens seriam lastimáveis sem mim, no fim dos seus dias! Mas,<br />

tenho pena deles e estendo-lhes a mão. Não raro, as divin<strong>da</strong>des poéticas socorrem<br />

piedosamente, com o divino segredo <strong>da</strong> metamorfose, os que estão prestes a morrer:<br />

Fetonte transforma-se em cisne, Alcion em pássaro, etc. Também eu, até certo ponto, imito<br />

essas benéficas divin<strong>da</strong>des. Quando a trôpega velhice coloca os homens à beira <strong>da</strong><br />

sepultura, então, na medi<strong>da</strong> do que sei e do que posso, eu os faço de novo meninos. De<br />

onde o provérbio: Os velhos são duas vezes crianças.<br />

Perguntar-me-eis, sem dúvi<strong>da</strong>, como o consigo. Da seguinte forma: levo essas caducas

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!