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Elogio da Loucura - CFH

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o sacramento <strong>da</strong> Eucaristia: se tivessem, porém, de explicar como Deus pode passar de um<br />

lugar para outro por meio <strong>da</strong> consagração; como se dá a transubstanciação; como um<br />

mesmo corpo pode encontrar-se ao mesmo tempo em vários lugares; que diferença existe<br />

entre o corpo de Jesus Cristo no céu, na cruz e na Eucaristia; em que momento se verifica a<br />

transubstanciacão, de vez que a fórmula sacramental, como dizem eles, sendo composta de<br />

sílabas e de palavras, só pode ser pronuncia<strong>da</strong> sucessivamente, — creio eu que, se esses<br />

primeiros teólogos do cristianismo tivessem de dirimir tais dificul<strong>da</strong>des, teriam necessi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> agudeza dos scotistas, que são ver<strong>da</strong>deiros Mercúrios na arte de argumentar e definir.<br />

Tiveram os apóstolos, é ver<strong>da</strong>de, a sorte de conviver com a mãe de Jesus, mas nenhum<br />

deles a conheceu tão bem como os nossos teólogos, que provaram geometricamente ter sido<br />

a Virgem fecun<strong>da</strong> preserva<strong>da</strong> <strong>da</strong> mancha do pecado original. São Pedro recebeu as chaves<br />

<strong>da</strong>s próprias mãos do Homem-Deus, sendo de supor-se que este não tivesse tido a intenção<br />

de colocá-las em más mãos; mas, não sei se o beato pescador conhecia bem o significado<br />

<strong>da</strong>quelas místicas chaves. Nós, porém, sabemos, com certeza, que ele nunca perguntou a<br />

Deus seu mestre como poderia um grosseiro e ignorante pescador ter as chaves <strong>da</strong> ciência.<br />

Os apóstolos batizavam continuamente, mas, apesar disso, nunca ensinaram a causa formal,<br />

material, eficiente e final do batismo, nem fizeram menção do caráter delével e indelével do<br />

mesmo. Esses fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> religião cristã adoravam a Deus, mas a sua adoração apoiavase<br />

neste princípio fun<strong>da</strong>mental do evangelho: Deus é um espírito puro e é preciso adorá-lo<br />

em espírito e ver<strong>da</strong>de. Parece, igualmente, não ter sido revelado aos apóstolos que o culto,<br />

nas escolas chamado latria, possa prestar-se tanto a Jesus Cristo em pessoa como às suas<br />

imagens rabisca<strong>da</strong>s na parede com carvão, bastando que representem o filho de Deus <strong>da</strong>ndo<br />

a bênção com os dois dedos, índice e médio, <strong>da</strong> mão direita levanta<strong>da</strong>, e com a cabeça<br />

orna<strong>da</strong> por uma longa cabeleira e um tríplice círculo de raios. Mas, como poderiam os<br />

apóstolos possuir tão grande e salutar erudição? Eles não encaneceram no fatigante estudo<br />

<strong>da</strong>s ciências físicas e metafísicas de Aristóteles e dos scotistas. Os apóstolos costumam<br />

falar <strong>da</strong> graça, mas não distinguem a graça gratuita <strong>da</strong> graça gratificante; exortam às boas<br />

obras, mas não distinguem a obra operante <strong>da</strong> obra opera<strong>da</strong>; inculcam a cari<strong>da</strong>de, mas não<br />

separam a infusa <strong>da</strong> adquiri<strong>da</strong>, além de não explicarem se essa amável e divina virtude é<br />

substância ou acidente, cria<strong>da</strong> ou incria<strong>da</strong>; detestam o pecado, mas eu quisera morrer se<br />

eles já foram capazes de definir cientificamente o que chamamos de pecado, a não ser que<br />

tenham sido inspirados pelo espírito dos scotistas. Se São Paulo, pelo qual devemos julgar<br />

todos os outros apóstolos, tivesse tido uma boa teoria do pecado, teria ele condenado com<br />

tanta insistência as polêmicas, as conten<strong>da</strong>s, as querelas, as discussões em torno de<br />

palavras? Digamos, pois, com franqueza, que São Paulo não conhecia as argúcias e as<br />

quali<strong>da</strong>des espirituais que distiguem os modernos, tanto mais quanto as controvérsias<br />

surgi<strong>da</strong>s na primitiva Igreja não passavam de pueris mesquinharias diante do refinamento<br />

dos nossos mestres, que, em matéria de sutileza, ultrapassaram de muito o próprio sofista<br />

Crisipo (87). — Façamos, porém, justiça à sua modéstia, pois não condenam o que os<br />

apóstolos escreveram com pouco acerto e precisão, mas se limitam a interpretá-lo de modo<br />

favorável, para usar de certa consideração para com a venerável antigüi<strong>da</strong>de e para com o<br />

apostolado. Não seria, aliás, razoável pretender que os apóstolos tratassem dessas difíceis<br />

matérias, quando o seu divino mestre nunca lhes disse uma palavra a respeito.<br />

Já não têm a mesma consideração para com os Crisóstomos, os Basílios, os Jerônimos,<br />

os pais <strong>da</strong> Igreja, não encontrando dificul<strong>da</strong>de em pôr em certas passagens de suas obras:<br />

Isto não foi recebido. É preciso considerar que esses antigos doutores deviam refutar os<br />

filósofos pagãos e, naturalmente, os obstinadíssimos judeus: faziam-no, porém, mais pelo

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