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E esta, que tem a cabeça engrinal<strong>da</strong><strong>da</strong> de rosas, exalando essências e perfumes? É Idonis,<br />
isto é, a volúpia. E a outra, que está revirando os olhos lúbricos e incertos e parece<br />
domina<strong>da</strong> por convulsões? É Ania, isto é, a irreflexão. Finalmente, aquela, de pele<br />
alabastrina, gorducha e bem nutri<strong>da</strong>, é Trofís, isto é, a delícia. Entre essas ninfas, podeis<br />
distinguir ain<strong>da</strong> dois deuses: um é Komo, isto é, o riso e o prazer <strong>da</strong> mesa; o outro é<br />
Nigreton hypnon, isto é, o sono profundo.<br />
Acompanha<strong>da</strong>, pois, e servi<strong>da</strong> fielmente por esse séquito de criados, estendo o meu<br />
domínio sobre to<strong>da</strong>s as coisas, e até os monarcas mais absolutos estão submetidos ao meu<br />
império. Já conheceis, portanto, o meu nascimento, a minha educação e a minha corte.<br />
Agora, para que ninguém julgue não haver razão para eu usurpar o nome de deusa, quero<br />
demonstrar-vos quanto sou útil aos deuses e aos homens e até onde chega o meu divino<br />
poder, desde que me presteis ouvidos com bastante atenção.<br />
Já escreveu sensatamente alguém que ser deus consiste em favorecer os mortais. Ora, se<br />
com razão foram incluídos no rol dos deuses os que introduziram na socie<strong>da</strong>de o vinho, a<br />
cerveja e outras tantas vantagens proporciona<strong>da</strong>s ao homem, porque não serei eu<br />
proclama<strong>da</strong> e venera<strong>da</strong> como a primeira <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des, eu, que a todos, prodigamente,<br />
dispenso sozinha tantos bens?<br />
Antes de tudo, dizei-me: haverá no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a<br />
vi<strong>da</strong>? E quem, mais do que eu, contribui para a concepção dos mortais? Nem a lança<br />
poderosa de Palas, nem a égide (24) do fulminante Júpiter, na<strong>da</strong> valem para produzir e<br />
propagar o gênero humano. O próprio pai dos deuses e rei dos homens, a um gesto do qual<br />
treme todo o Olimpo, faria bem em depor o seu fulmíneo trissuleo, em deixar aquele ar<br />
terrível e majestoso com o qual aterroriza to<strong>da</strong> aquela multidão de deuses, e em apresentarse,<br />
o pobrezinho, como bom cômico, sob uma forma inteiramente nova, quando quiser<br />
desempenhar a função, por ele já tantas vezes desempenha<strong>da</strong>, de procriar pequenos<br />
Júpiters.<br />
Vejamos, agora, os bobalhões dos estóicos, que se reputam tão próximos e afins dos<br />
deuses. Mostrai-me apenas um, dentre eles, que, mesmo sendo mil vezes estóico, nunca<br />
tendo feito a barba, distintivo <strong>da</strong> sabedoria (se bem que tal distintivo seja também comum<br />
aos bodes): precisará deixar o seu ar cheio de orgulho, assumir uns ares de fi<strong>da</strong>lgo,<br />
abandonar a sua moral austera e inflexível, fazer asneiras e loucuras. Em suma, será forçoso<br />
que esse filósofo se dirija a mim e se recomende, se quiser tornar-se pai.<br />
E porque, segundo o meu costume, não hei de vos falar mais livremente? Dizei-me, por<br />
favor: serão, talvez, a cabeça, a cara, o peito, as mãos, as orelhas, como partes do corpo<br />
reputa<strong>da</strong>s honestas, que geram os deuses e os homens? Ora, meus senhores, eu acho que<br />
não: o instrumento propagador do gênero humano é aquela parte, tão deselegante e ridícula<br />
que não se lhe pode dizer o nome sem provocar o riso. Aquela, sim, é justamente aquela a<br />
fonte sagra<strong>da</strong> de onde provêm os deuses e os mortais.<br />
Pois bem, quem desejaria sacrificar-se ao laço matrimonial, se antes, como costumam<br />
fazer em geral os filósofos, refletisse bem nos incômodos que acompanham essa condição?<br />
Qual é a mulher que se submeteria ao dever conjugai, se to<strong>da</strong>s conhecessem ou tivessem<br />
em mente as perigosas dores do parto e as penas <strong>da</strong> educação? Se, portanto, deveis a vi<strong>da</strong><br />
ao matrimônio e o matrimônio à Irreflexão, que é uma <strong>da</strong>s minhas sequazes, avaliai quanto<br />
me deveis. Além disso, uma mulher que já passou uma vez pelos espinhos do indissolúvel<br />
laço, e que anseia por tornar a passar por eles, não o fará, talvez, em virtude <strong>da</strong> assistência<br />
<strong>da</strong> ninfa Esquecimento, minha cara companheira? É preciso dizer, pois, a despeito do poeta<br />
Lucrécio, e a própria Vênus não ousaria negá-lo, que sem a nossa pujança e a nossa