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Elogio da Loucura - CFH

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tagarelice mais de vinte mulheres, mesmo dentre as que costumam distinguir-se pelo<br />

falatório. Não obstante, ain<strong>da</strong> seria de desejar que não tivessem outro defeito a não ser o de<br />

falar demais; mas, por desgraça nossa, são sempre discussões de lana-caprina, e, à força de<br />

discutir para sustentar a ver<strong>da</strong>de (como pretendem eles), perdem de vista, o mais <strong>da</strong>s vezes,<br />

a própria ver<strong>da</strong>de. Esses eternos discutidores estão sempre contentes consigo mesmos e,<br />

armados de três ou quatro silogismos, sempre dispostos a desafiar para a controvérsia quem<br />

quer que seja e sobre qualquer argumento. A obstinação serve-lhes de espa<strong>da</strong>, invencível,<br />

pois não cedem nunca, ain<strong>da</strong> mesmo que tivessem de medir-se com um Estentor (86).<br />

Seguem-se-lhes, imediatamente, os veneráveis filósofos, respeitáveis pela barba e pela<br />

túnica. Gabam-se de ser os únicos sábios e acreditam que todos os outros homens não<br />

passem de sombras móveis. Rasguemos esse véu de orgulho e de presunção, e vejamos o<br />

que são os filósofos. Não passam, também, de ridículos loucos: quem poderá conter o riso<br />

ao ouvi-los sustentar seriamente a infini<strong>da</strong>de dos mundos? O sol, a lua, as estrelas, todos<br />

esses globos são por eles conhecidos tão bem como se os tivessem medido palmo a palmo<br />

ou com um fio. Sem duvi<strong>da</strong>r de na<strong>da</strong>, eles vos dizem a causa do trovão, dos ventos, dos<br />

eclipses e de todos os outros mistérios físicos. Na ver<strong>da</strong>de, ao ouvi-los falar com tanta<br />

convicção, qualquer os julgaria membros do grande conselho dos deuses ou testemunhas<br />

oculares <strong>da</strong> natureza quando tudo saiu do na<strong>da</strong>. Mas, a despeito disso, a natureza, essa hábil<br />

produtora do universo, parece zombar <strong>da</strong>s suas conjecturas. Basta, com efeito, refletir-se<br />

sobre a estranha diversi<strong>da</strong>de dos seus sistemas, para se dever confessar que eles não têm<br />

nenhuma idéia segura, pois que, enquanto se gabam de saber tudo, não estão de acordo em<br />

na<strong>da</strong>. Os filósofos nem ao menos se conhecem, porquanto, ao tentarem elevar-se às mais<br />

sublimes especulações, caem num buraco com que não contavam e quebram a cabeça<br />

contra uma pedra. Estragando a vista na contemplação meticulosa <strong>da</strong> natureza e com o<br />

espírito sempre distante, vangloriam-se de distinguir as idéias, os universais, as formas<br />

separa<strong>da</strong>s, as matérias primas, os quid, os ecce, em suma, todos os objetos que, de tão<br />

pequenos, só poderiam distinguir-se, se não me engano, com olhos de lince.<br />

Em nenhuma outra ciência se despreza tanto o vulgo profano como nas matemáticas,<br />

que consistem em triângulos, quadrados, círculos e outras figuras geométricas semelhantes,<br />

que se sobrepõem uma às outras, confundindo tudo como um labirinto. Por fim, atordoam<br />

os idiotas com diversas letras dispostas como um exército em ordem de batalha e<br />

subdividi<strong>da</strong>s em várias companhias.<br />

Mas, não esqueçamos os astrólogos, aos quais o céu serve de biblioteca e os astros<br />

servem de livros. Graças a esse estudo, compreendem tudo muito bem e revelam o futuro,<br />

predizendo maiores prodígios do que os magos. E o mais bonito é que ain<strong>da</strong> têm a fortuna<br />

de encontrar crédulos.<br />

Talvez fosse melhor não falar dos teólogos, tão delica<strong>da</strong> é essa matéria e tão grande é o<br />

perigo de tocar em semelhante cor<strong>da</strong>. Esses intérpretes <strong>da</strong>s coisas divinas estão sempre<br />

prontos a acender-se como a pólvora, têm um olhar terrivelmente severo e, numa palavra,<br />

são inimigos muito perigosos. Se acaso incorreis na sua indignação, lançam-se contra vós<br />

como ursos furibundos, mordem-vos e não vos largam senão depois de vos terem obrigado<br />

a fazer a vossa palinódia com uma série infinita de conclusões; mas, se recusais retratarvos,<br />

condenam-vos logo como hereges. E, mostrando essa cólera, chamando de herege, de<br />

ateu, conseguem fazer tremer os que não concor<strong>da</strong>m com eles. Embora não haja ninguém<br />

que, tanto como eles, dissimule os meus favores, não é menos ver<strong>da</strong>deiro que me devem<br />

muito. Eis porque impus ao meu amor próprio favorecê-los mais do que a todos os outros<br />

mortais, e de fato são eles os meus maiores prediletos. É por isso que, do alto <strong>da</strong> sua

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