You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.bre movimentos corporais: a alma põe-se <strong>de</strong> pé, acocora-se, <strong>de</strong>sliza, <strong>de</strong>scai, ajoelhase,caminha direita e alegre, ou cambaleia, ou rasteja. A alma toma todas asposições <strong>de</strong> luta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a <strong>de</strong> <strong>um</strong> calmo e melódico guerreiro <strong>de</strong> Fídias até à <strong>de</strong> <strong>um</strong>torpe moleque agachado e sinuoso, com a navalha empalmada e o pé igualmentepronto para a rasteira ou para a fuga.Nas aulas <strong>de</strong> educação moral e cívica <strong>de</strong>via-se ensinar, antes <strong>de</strong> mais, aselecionar e fixar posturas e gestos. Aquele que apren<strong>de</strong>u <strong>um</strong>a simples maneiranova <strong>de</strong> segurar o cigarro, <strong>de</strong> puxar e soltar a f<strong>um</strong>aça, <strong>de</strong> arremessar o coto, <strong>um</strong>acerta maneira vivaz, ritmada, incisiva e distinta <strong>de</strong> realizar todos esses pequenosmovimentos, adquiriu alg<strong>um</strong>a coisa que positivamente lhe modifica a personalida<strong>de</strong>,por via <strong>de</strong> ressonâncias que se vão convertendo em movimentos interiores habituais.— Inversamente, para convencer <strong>um</strong>a menina <strong>de</strong> que ela <strong>de</strong>ve ser boazinha, não hácomo convencê-la <strong>de</strong> que assim se torna mais bonita. Há muito menina gran<strong>de</strong> quefaz toda a força do seu domínio interior com a simples preocupação <strong>de</strong> não ter cara<strong>de</strong> espeloteada ou <strong>de</strong> evitar a inflamação das pálpebras. Chamfort conta <strong>de</strong> <strong>um</strong>adama que assim se justificava <strong>de</strong> assistir com olhos secos a <strong>um</strong>a comovedorarepresentação teatral: "Eu choraria; mas é que tenho <strong>de</strong> cear na cida<strong>de</strong>".Compreen<strong>de</strong>-se bem a confusão que <strong>de</strong> ordinário se faz entre o gestosignificativo e a coisa significada, entre o valor da virtu<strong>de</strong> e suas aparências externas.Este pratica <strong>um</strong>a ação honrada, não por esta ou aquela razão abstrata, mas parapo<strong>de</strong>r andar "<strong>de</strong> cabeça erguida"; aquele, para po<strong>de</strong>r "dar <strong>um</strong>a...", isto é, fazer <strong>um</strong>gesto violento e <strong>de</strong>saforado aos seus <strong>de</strong>tratores. Conheci <strong>um</strong> homem que, dando <strong>um</strong>agrossa esmola a <strong>um</strong>a igreja, dizia: "Não é lá tanto pela religião, porque enfim eu vivo afazer por ela o que posso; mas é cá por <strong>um</strong>a birra, — é <strong>um</strong> couce que eu prego aoAlvarenga, aquele idiota, que <strong>de</strong>u <strong>um</strong> conto <strong>de</strong> réis e disso se pavoneia."A metáfora é mais do que <strong>um</strong> artifício pitural, é a gesticulação das almas.Somos bonecos à procura <strong>de</strong> gestos. Estes preexistem e persistem fora <strong>de</strong>nós, e nós passamos por eles como a água passa pelos vasos e canais que acontêm e lhe dão forma, como a água passa pelos aci<strong>de</strong>ntes da própria correnteza edo próprio caminho, pelas suas rugas, pelas suas cintilações e sombras, pelas suasesp<strong>um</strong>as e cachões.Tomamo-los no lar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o berço, e na escola; apanhamo-los no teatro, nocinema, nos livros, nos quadros, na escultura, na rua, nas salas, na própria música,que espontaneamente se resolve em <strong>de</strong>senhos cinéticos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a aérea e fulmíneaexpressivida<strong>de</strong>.Os gestos <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> serena, <strong>de</strong> compostura discreta e elegante estão,em parte, incorporados às roupas distintas, como <strong>um</strong> forro invisível. O alfaiate cortapelo pano e, sem o saber, vai cortando ao mesmo tempo por <strong>um</strong>a tela espiritual,fabricada por duas tecelãs incansáveis, a H<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> e a Natureza.Dizem que o hábito não faz o monge. Imagine-se o que seria <strong>um</strong> fra<strong>de</strong> <strong>de</strong>São Francisco sem o seu hábito! O hábito só não faz o monge quando esse está <strong>de</strong>tal maneira conformado pela vestimenta, que já po<strong>de</strong> impunemente <strong>de</strong>spi-la, sem <strong>de</strong>fato arrancá-la toda do corpo.A toga foi talvez a mais importante das invenções romanas. De certocontribuiu mais do que tudo para fortalecer e ritmar, para esculturizar o caráterdaquela gente estrepitosa e <strong>de</strong>rramada.Por <strong>um</strong>a razão semelhante, as estátuas clássicas (isto me parece que foidito por Alam) são formas imperecíveis <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alida<strong>de</strong> ética, formas que prece<strong>de</strong>m esobrevivem ao conteúdo i<strong>de</strong>al que nelas vão sucessivamente vazando as gerações.16