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www.nead.unama.brciência, para eles, é o refugi<strong>um</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se reconheceram anêmicos <strong>de</strong> bomsenso, <strong>de</strong> imaginação, <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> e privados <strong>de</strong>ssa divina capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>simpatia cósmica, que faz as almas verdad.... Mas não vale a pena repetir Nietzsche.SANFONATivemos hoje concerto <strong>de</strong> sanfona durante a viagem da tar<strong>de</strong>. O homemtocava bem, e tocava <strong>de</strong> tudo.Amo <strong>de</strong> coração estes artistas h<strong>um</strong>il<strong>de</strong>s, que têm a paixão da arte, com omínimo possível <strong>de</strong> cálculo, ou sem nenh<strong>um</strong>. São, na sua imperfeição, mais artistasdo que muitos outros mais hábeis, mais cultos, mais refinados: não procuram na artesenão o seu prazer— sem pensar em proveitos; e exercem-na com a simplicida<strong>de</strong> ea inocência <strong>de</strong> quem pratica os atos mais ordinários da vida. Dão generosamente eanonimamente o que têm, o bom e o mau, o certo e o errado, sem presunção e semtorturas, e vão seguindo o seu caminho. Quem gostar, goste à vonta<strong>de</strong>; quem nãogostar, perdoe; e, se não quiser perdoar, é o mesmo. Que boa, alegre e higiênicamaneira <strong>de</strong> ser artista! Durante vinte minutos, o homenzinho da sanfona foi o únicoque veio <strong>de</strong>itar <strong>um</strong> pouco <strong>de</strong> alegria purificadora na alma fechada e amarrotada <strong>de</strong>quarenta e tantos passageiros.Pela minha parte, Deus lhe pague, frater <strong>de</strong>sconhecido!EMBRIAGUEZViajou hoje no bon<strong>de</strong> <strong>um</strong> homem embriagado, meio dormindo. Quandochegamos ao ponto, no centro, todos <strong>de</strong>scemos, e ele ficou. O condutor foi interrogálo,ver porque não <strong>de</strong>scia. Sacudiu-o. "Ó amigo, já chegamos! Ó amigo..." O bêbedoabriu <strong>um</strong> olho, ergueu a cabeça, e <strong>de</strong>ixou-a tombar <strong>de</strong> novo sobre o peito. "Ó amigo!Então não <strong>de</strong>sce? Ó amigo..." O ébrio tornou a abrir <strong>um</strong> olho, fixou-o no condutor, emurmurou: "Toca o bon<strong>de</strong>." — "Mas olhe que tem <strong>de</strong> pagar outra passagem! Ócidadão! Está ouvindo? Tem <strong>de</strong> pagar outra passagem!" — "Sim!" berrou o homem."Sim! Eu pago outra passagem! Toque essa porcaria! Siga! Eu pago quanto vocêquiser. Olhe, tome!" E esten<strong>de</strong>u ao condutor <strong>um</strong>a prata <strong>de</strong> <strong>de</strong>z tostões.Quando o condutor lhe restituía o troco, o beberrão, já manso, fez <strong>um</strong> gestotrêmulo <strong>de</strong> repulsa amigável. "Guar<strong>de</strong> para você, guar<strong>de</strong> lá... Ouviu? Mas olhe aqui,condutor, man<strong>de</strong> tocar mais <strong>de</strong>vagar nas curvas... Sim? É só o que eu lhe peço.Mais <strong>de</strong>vagarinho nas curvas!" E o ébrio recostou-se, acomodou-se, cruzou as mãossobre os joelhos e fechou os olhos, como se estivesse na mais fofa poltrona,<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> <strong>um</strong> teto amigo.Explicou então o condutor porque é que ele queria menos rapi<strong>de</strong>z nascurvas: é que já havia levado <strong>um</strong> meio trambolhão do bon<strong>de</strong> abaixo, n<strong>um</strong>a <strong>de</strong>las.Assistiam à cena <strong>de</strong>z ou doze curiosos, que muito se divertiram. Nunca há maiordivertimento do que ver <strong>um</strong> homem em situação <strong>de</strong>gradante, e "risível", que por via<strong>de</strong> regra é risível porque seria própria para entristecer.E porque o estado <strong>de</strong> bebe<strong>de</strong>ira é <strong>de</strong>gradante? Já sei: é pela mesma razãopor que é risível, é que diminui o homem ex abrupto, o reduz à condição <strong>de</strong>autômato, <strong>de</strong> <strong>um</strong> autômato e amarfanhado. Mas há tanto outro gênero <strong>de</strong>embriaguez que passa como se não fosse <strong>de</strong>gradante nem ridículo! Por que?Os efeitos são os mesmos: <strong>um</strong> homem sem a posse completa <strong>de</strong> si próprio,sem sequer essa espécie <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> animal que consiste na harmoniaespontânea dos movimentos com as "finalida<strong>de</strong>s" naturais, da estrutura; <strong>um</strong> homem28