You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.brvez, não po<strong>de</strong> ser senão <strong>um</strong> céu <strong>de</strong> papel pintado. A construção "a viste" eraambígua para o ouvido. Por fim, o período não dava liga. Modifiquei-o:Contudo, a vida forte boa e bela: sorriu-te, tanto quanto lhe sorriste.Podia servir. O diabo era a continuação. Eu não tinha, na verda<strong>de</strong>, a mínimaidéia assentada acerca do caso psicológico <strong>de</strong> Gabriela, nem sequer sabia queforma e que alma teria essa emanação possível do meu cérebro. Ao contrário <strong>de</strong>Minerva ao sair da cabeça <strong>de</strong> Júpiter, estava completamente <strong>de</strong>sarmada. E nemmesmo queria acabar <strong>de</strong> sair. As casualida<strong>de</strong>s da versificação é que me diriamafinal o que eu houvesse <strong>de</strong> pensar a respeito. Gran<strong>de</strong> coisa, a versificação.Contudo, a vida foi-te boa e bela: a vida te sorriu, tu lhe sorriste...Dados estes dois versos, o campo <strong>de</strong> exploração restringia-se. O problemafixava-se em três incógnitas: x) dois <strong>de</strong>cassílabos, em ela e iste; y) que<strong>de</strong>senvolvessem o pensamento começado; z) tornando possíveis os tercetos com<strong>um</strong> fecho reluzente e forte.Hoje, ela te maltrata, e tu caíste.Aqui, o verbo caíste (le mont est créateur) sugeriu-me espontaneamenteeste quarto verso:Caíste, pobre moça, na esperança!Não estaria mal, se eu quisesse fazer h<strong>um</strong>orismo. Bastava modificar <strong>de</strong> leveos versos antece<strong>de</strong>ntes:Outrora, a vida aparece-te bela;acenou-te, sorriu. Tu lhe sorriste.E a seus braços voaste. E enfim caíste,caíste, pobre moça! Na esparrela.O mais engraçado <strong>de</strong>sse h<strong>um</strong>orismo é que a idéia em si é perfeitamente justa emuito séria. A vida, <strong>de</strong> fato, esten<strong>de</strong> às almas jovens e sequiosas <strong>um</strong>as fatais urupucas,tentadoras e terríveis, on<strong>de</strong> elas se <strong>de</strong>batem e se magoam. Mas o "cair na esparrela"tornou-se cômico pela vulgarida<strong>de</strong>, e a vulgarida<strong>de</strong> é o sentido moral figurado. Sentidosprofundamente imorais, estes sentidos morais, que apagam tudo quanto há <strong>de</strong> emoçãopoética e <strong>de</strong> pungente verda<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana em tantas metáforas enérgicas e felizes. —Como quer que seja, eu agora já queria bem à moça, como as mães já amam os filhosainda no ventre, e <strong>de</strong>testei a idéia <strong>de</strong> impor à minha criatura <strong>um</strong> ind<strong>um</strong>ento grotesco.Nem que ela fosse real! Não, o soneto havia <strong>de</strong> ser afetuoso e nobre.Outrora, a vida apareceu-te bela;acenou-te, sorriu. Tu lhe sorriste.E a seus braços voaste; e assim te vistepresa das graças lacerantes <strong>de</strong>la.Ora, bem. Faltavam os tercetos. Estava a ensaiar-me para pescar ostercetos no vasto mundo das possibilida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ais, quando o condutor me chamouao mundo estreito das impossibilida<strong>de</strong>s ordinárias:"O senhor volta para trás?"O bon<strong>de</strong> tinha chegado ao ponto final e ia recomeçar o giro. Saltei <strong>de</strong>le e dosonho (assim chamam os poetas a estes exercícios, que são os mais conscientes eespertos <strong>de</strong> quantos se possam imaginar) e corri à repartição. — Talvez que distofique <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo a inexistência <strong>de</strong> mais <strong>um</strong>a obra-prima na literatura nacional. Mas,quem sabe? Ego dormio et cor me<strong>um</strong> vigilat.UM BORRACHO34