12.07.2015 Views

Memorial de um Passageiro de Bonde - Unama

Memorial de um Passageiro de Bonde - Unama

Memorial de um Passageiro de Bonde - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.brjogo, epi<strong>de</strong>mias políticas, epi<strong>de</strong>mias artísticas, literárias, epi<strong>de</strong>mias econômicas,epi<strong>de</strong>mias filantrópicas.Se alg<strong>um</strong> dia houve a ilusão do que os homens fossem capazes <strong>de</strong> se<strong>de</strong>ixar guiar pela razão, hoje o mundo inteiro é <strong>um</strong> só vasto campo <strong>de</strong> experiência aprovar todos os dias, que os homens agem sistematicamente à revelia da razão — oque não quer dizer que <strong>um</strong>a vez por outra, não possam encontrar-se com ela, poracaso. Quanto mais se civilizam, mais imitam e copiam. Quanto mais prezam aindividualida<strong>de</strong> mais a per<strong>de</strong>m. Quanto mais amam o novo e o original, mais feitos"em série" parecem.Os motivos <strong>de</strong> ação vão-se tornando, cada vez mais, efeitos <strong>de</strong> sugestãocoletiva.Os Estados Unidos, que se diriam a terra por excelência do individualismoviolento, são na verda<strong>de</strong> a terra por excelência da socialização absorvente. O quedá a aparência da liberda<strong>de</strong> é a franqueza exterior dos movimentos. Pura aparência.Não há nada que pareça tão "livre" como as peças ativas <strong>de</strong> <strong>um</strong> tear mo<strong>de</strong>rno, atrabalharem silenciosamente, como por si, como <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> alacrida<strong>de</strong> serenae <strong>de</strong> inabalável consciência do <strong>de</strong>ver.Na realida<strong>de</strong>, o homem por lá não tem a mínima liberda<strong>de</strong>, no sentidoclássico, estóico, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> interior, fundamental, soberana; inviolável — aquelaque Emerson por lá mesmo exaltava. É sempre homem <strong>de</strong> <strong>um</strong> partido, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a igreja<strong>de</strong> <strong>um</strong> clube, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a corrente, — <strong>um</strong> dos caracteres <strong>de</strong> que se compõem aspalavras <strong>de</strong> <strong>um</strong> pensamento coletivo, para ele proveitoso mas in<strong>de</strong>cifrável.Formidáveis, naquela terra, o vol<strong>um</strong>e e a rapi<strong>de</strong>z dos movimentos <strong>de</strong> opiniãoou sensibilida<strong>de</strong>, isto é, <strong>de</strong> contágio mental. São turbilhões que passam levantandofi<strong>um</strong>anas <strong>de</strong> almas como folhas secas. Estes movimentos tanto po<strong>de</strong>m dar-se apropósito <strong>de</strong> bebidas, como <strong>de</strong> <strong>um</strong> match <strong>de</strong> box; <strong>de</strong> <strong>um</strong>a eleição, como <strong>de</strong> <strong>um</strong>anova dança <strong>de</strong> negros; <strong>de</strong> <strong>um</strong> escândalo teatral como <strong>de</strong> <strong>um</strong>a doutrina religiosaEnfim, o indivíduo vai sendo empastado na comunida<strong>de</strong> e arrastado nasconvulsões obscuras das forças elementares que a percorrem e remexem.Este o pendor contemporâneo da civilização. Este o seu perigo mais tétrico.Ela ten<strong>de</strong> cada vez mais a absorver as personalida<strong>de</strong>s, como <strong>um</strong> organismo emjej<strong>um</strong> forçado ten<strong>de</strong> a alimentar-se às suas próprias expensas, esgotando os seuselementos vitais, esgotando-se...Chegado a este ponto, Eulálio interrompeu-se por que me achou distraído.Na verda<strong>de</strong>, a minha aparente distração estava apenas em que eu lhe bebia aspalavras, e as memorizava.Mas ele tinha a sua razão <strong>de</strong> me estranhar o silêncio e a imobilida<strong>de</strong>; porquea boa educação manda que, nas conversas, se dêem todas as atenções à pessoaque fala, e nenh<strong>um</strong>a ao que ela fala.PASSEIO DOMINICALHoje, domingo, quando cheguei ao meu posto <strong>de</strong> espera, por volta <strong>de</strong> meiodia,lá estava, em fila, <strong>um</strong>a família pobre.Era visível que tinham <strong>de</strong>stinado o dia para passeio e que esse passeio erapara eles <strong>um</strong> acontecimento. Respiravam timidamente a frescura das impressõesnovas.O chefe, homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong>, ia frouxamente embrulhado n<strong>um</strong> terno <strong>de</strong>brim pardo reluzente do ferro <strong>de</strong> engomar e on<strong>de</strong> mal se dissimulava <strong>um</strong>a cartatopográfica <strong>de</strong> remendos e serziduras. O chapéu mole, puído e bambo tinha sido54

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!