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www.nead.unama.brMas na verda<strong>de</strong> o t<strong>um</strong>or ainda estava <strong>um</strong> tanto ver<strong>de</strong>. O que sobretudo meimpedia <strong>de</strong> chegar a <strong>um</strong> resultado, era o final.O soneto, hoje estou disso convencido, tem <strong>um</strong>a causa final — o fecho <strong>de</strong>veser achado antes do mais. É o verda<strong>de</strong>iro princípio. Então, tudo para lá se encaminha,como no ovo se forma com segurança e tranqüilida<strong>de</strong> o pinto prefigurado.Enquanto eu ia fazendo estas reflexões, o bon<strong>de</strong> se aproximava mais<strong>de</strong>pressa do termo, e tive <strong>de</strong> adiar mais <strong>um</strong>a vez a conclusão da minha tarefa poética.Mas hei <strong>de</strong> concluí-la. Tenho diante <strong>de</strong> mim todo o resto da minha vida.Tudo me indica que ainda po<strong>de</strong>rei vir a ser o Arvers <strong>de</strong> <strong>um</strong> soneto, não direi tãoacabado, mas pelo menos tão difícil <strong>de</strong> acabar.Sainte-Beuve disse que il existe chez les trois quarts <strong>de</strong>s hommes un poètemort jeune à qui l'homme survit. Mas isso não é <strong>um</strong> achado: a poesia sempre foi tidacomo particular companheira da juventu<strong>de</strong>, nos homens e nos povos. O mais curiosoé que muitos trazem consigo poetas que nunca chegaram a nascer e que são comorevenants do futuro.UM HOMEM PERFEITOO Sr. João Cesário da Costa apareceu-me hoje muito loquaz e prazenteiro.Sentou-se a meu lado, palpou as minhas disposições auditivas, notou que eramboas, e <strong>de</strong>ixou escapar a loqüela, primeiro às gotas espaçadas, <strong>de</strong>pois às gotas quejá quase se ligavam n<strong>um</strong> fio, por fim jorro franco.Principiou por falar do tempo, que estava "lindíssimo e convidativo." Daí<strong>de</strong>slizou para consi<strong>de</strong>rações acerca do nosso clima e do europeu, das nossasestações e das européias. Descambou então para o elogio da nossa "ternaprimavera" e da nossa "natureza exuberante". Isto o levou ao fatídico paralelo entrea natureza e o indígena; e Cesário revelou gravemente que, segundo a opinião <strong>de</strong>H<strong>um</strong>boldt, no Brasil tudo é gran<strong>de</strong>, menos o homem.Mostrei-me consternado por isso, e Cesário caiu no domínio da educação,cujo principal objetivo, no Brasil, <strong>de</strong>via consistir em <strong>de</strong>belar a empregomania, obacharelismo e a macaqueação do estrangeiro. Quando chegamos ao ponto, o meuamigo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter passado pela política, ia bordando comentários em roda dovestido feminino e <strong>de</strong>plorando a subversão da família.Enquanto ele orava, eu vinha-lhe mentalmente acompanhando a curva dasassociações <strong>de</strong> idéias e avaliando as vastas etapas que fazia através da matériapensável, metido nas botas <strong>de</strong> sete léguas da imaginação discursivas.É assim, justamente, que os homens práticos pensam, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que saem docrédulo habitual das preocupações profissionais. Tomam as suas associaçõesespontâneas e os seus estados vulgares <strong>de</strong> sentimento como legítimas formas <strong>de</strong>cogitação. E têm <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sdém pelos poetas — sendo que poetas são todosquantos não se contentam com essa moagem perpétua <strong>de</strong> idéias feitas e <strong>de</strong> idéiasque nunca se acabam <strong>de</strong> fazer.Na verda<strong>de</strong>, isto é eminentemente prático. Nada mais é preciso para viver, eviver bem, e prosperar, e fazer jus a <strong>um</strong> mausoléu <strong>de</strong> cinco metros <strong>de</strong> altura, comcúpula guardada por <strong>um</strong> anjo <strong>de</strong> magoado semblante e gran<strong>de</strong>s asas, talhado emmármore branco pelo melhor marmorista da cida<strong>de</strong>.João Cesário tem <strong>um</strong> mérito, além <strong>de</strong> muitos outros: não é <strong>um</strong>a edição, nemmesmo <strong>um</strong>a edição barata <strong>de</strong> Acácio, versão portuguesa e pacata <strong>de</strong> Mr.Prudhomme e varieda<strong>de</strong> conservadora do farmacêutico Homais.75