12.07.2015 Views

Memorial de um Passageiro de Bonde - Unama

Memorial de um Passageiro de Bonde - Unama

Memorial de um Passageiro de Bonde - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.brcerto momento <strong>um</strong>a impressão angustiosa — a impressão que teria alguém, <strong>de</strong>repente, apalpando-se, <strong>de</strong> que meta<strong>de</strong> si mesmo já era coisa morta.RUFINAEncontrei no bon<strong>de</strong> <strong>um</strong> homem parecido com o Coronel Ferrão, o exprotetor<strong>de</strong> Rufina-Augusta. Esta surgiu imediatamente ao seu lado, acomodando osvestidos, sorrindo e lançando sobre mim aquele seu olhar magnético atravésdaqueles cílios <strong>de</strong> treva, com <strong>um</strong>a................................................ dolcezzache inten<strong>de</strong>r non la può chi non la prova.Claro que era <strong>um</strong>a aparição imaginária. Mas não me impedia que ficasseolhando para o lugar on<strong>de</strong> colocara a moça e lhe dirigisse a esta <strong>um</strong> longo e confusoimproviso."Quem és tu? De on<strong>de</strong> vens? Que fazes? Como vives?... — Na verda<strong>de</strong>,nada disso me interessa muito. Afinal <strong>de</strong> contas, nada tenho contigo.""O que me interessou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo em ti foi apenas a tua figura. Apareceu-me<strong>de</strong> repente, no meio da vulgarida<strong>de</strong> fosca das coisas, como <strong>um</strong>a obra-<strong>de</strong>-arteperdida n<strong>um</strong> subterrâneo na qual batesse <strong>de</strong> repente o jorro <strong>de</strong> <strong>um</strong>a lanterna furtafogo.""Era-me tão indiferente saber quem fosse a pessoa que havia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssafigura, ou mesmo se havia <strong>um</strong>a pessoa, como seria indiferente, diante da graça <strong>de</strong><strong>um</strong>a vela branca no mar azul, saber <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vinha, para on<strong>de</strong> ia, se levava a bordo<strong>um</strong>a princesa errante ou <strong>um</strong> ogre sinistro.Contudo, não me esqueci mais <strong>de</strong> ti.Tu me entraste na alma como <strong>um</strong> farrapo que a ventania atira por <strong>um</strong>a porta<strong>de</strong>scuidosamente aberta.A porta <strong>de</strong> minha alma profunda estava aberta naquela hora. E eu fiz como amulher pobre que, tendo achado em sua casa <strong>um</strong> farrapo <strong>de</strong> esc<strong>um</strong>ilha brilhante,trazido pelo vento, não tivesse ânimo <strong>de</strong> o varrer com o cisco, o levantasse e opren<strong>de</strong>sse à pare<strong>de</strong>, entre <strong>um</strong> caco <strong>de</strong> espelho e <strong>um</strong> cromo <strong>de</strong>scorado.És talvez <strong>um</strong> episódio horoscópico da minha vida, posto <strong>de</strong> reserva peloDestino para ser lançado, certo dia na <strong>de</strong>sfilada heteróclita dos casos da minhabiografiazinha. privada.Como que havia em mim <strong>um</strong> lugar vago à tua espera. Vieste, caíste no lugarjusto, e aí estás, fixa e l<strong>um</strong>inosa como <strong>um</strong>a pedra fina que, por maravilha do acaso,saltando, perdida, viesse cair justamente no engaste vazio <strong>de</strong> <strong>um</strong> velho anel.Devias fatalmente aparecer-me em <strong>de</strong>terminada hora, como aparece aforma exata e exteriorizada <strong>de</strong> <strong>um</strong> pensamento flutuante, longamente entrevisto,longamente resolvido no espírito.Eras <strong>um</strong> motivo que faltava ao magro concerto da minha vida consciente eque aí havia <strong>de</strong> surgir, <strong>de</strong>liciosa serpe melódica a ondular e faiscar n<strong>um</strong> relvado <strong>de</strong>ritmos obtusos.A música interior tem hoje <strong>um</strong>a dolência menos remota, <strong>um</strong> gemido menosvago, <strong>um</strong>a ânsia interrogativa mais profunda, <strong>um</strong>a angústia menos aérea e maish<strong>um</strong>ana.Por que me apareceste? Por que me agradaste? Por que não te pu<strong>de</strong> falar?Por que me foges sem o querer, e por que te evito, procurando-te?56

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!