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homônima de Van Morrison. Mas ao descrever assim a Black and White<br />
Piece, nada dizemos precisamente sobre a fascinação exercida pelo seu<br />
cerimonial, da melancolia que dele emana ou da violência cromática<br />
que opõe a brancura dos casamentos atuais à negrura do luto virtual.<br />
Ignoramos especialmente a esteira emocional na qual estas imagens<br />
se inserem. Ora, elas intervêm no filme um pouco depois das de George<br />
acamado no hospital St. Vincent de Nova York, brincando com<br />
seu conta-gotas; depois das de George emagrecido, o rosto esquálido<br />
e coberto pela metade pelos seus óculos grossos, perdido em seus pensamentos<br />
ou lendo o jornal sob um raio de sol invernal que passa pela<br />
janela de sua casa de Barrington; depois, invernal que passa pela janela<br />
de sua casa de Barrington; depois, ainda, das de George não podendo<br />
mais comer, nem mesmo o pão da Lituânia trazido por Amy Taubin;<br />
George encurvado, esgotado, por cima de sua mesa, antes de ter que se<br />
ocupar dos preparativos do casamento. Estes últimas chamas do movimento<br />
Fluxus, esta vita nova fugitiva do artista e de sua companheira,<br />
seu renascimento em novas identidades, são arrancados desta dor, da<br />
coragem de enfrentá-la a dois, da aliança inesperada destes dois corpos<br />
a princípio em desacordo, o doente e prematuramente envelhecido de<br />
George e o radiante da jovem Billie.<br />
Enfim, o que impressiona em primeiro lugar, à visão e audição das<br />
cenas da vida de George Maciunas, contrariamente àquelas, mais caladas,<br />
das vidas de Jerome Hill, de Andy Warhol ou de Jackie Kennedy<br />
em This Side of Paradise (1999) –fragmentos de uma biografia inacabada<br />
que a mulher do presidente assassinado lhe havia encomendado –,<br />
é não apenas a presença, incomum a este ponto, da voz de <strong>Mekas</strong>, que<br />
parece não querer ceder nada às imagens, de tanto que ela precisa enunciar<br />
a experiência limite que, em troca, o divide; mas sobretudo a clivagem<br />
temporal e afetiva, que vai diminuindo ao longo do filme até a<br />
impossível conjunção final entre a tristeza insondável da leitura em voz<br />
off do diário escrito e a alegria exuberante que emana das imagens de<br />
Fluxus. Zefiro Torna brinca à sua maneira com a “dissociação entre o<br />
visual e o sonoro”, cada um “heautônomo”, mas preso a uma “relação<br />
de incomensurabilidade muito precisa” que nunca se reduz à “ausência<br />
de relação” que Deleuze menciona em Imagem-Tempo a respeito