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Volume 3 - Jonas Mekas - Via: Ed. Alápis

Jonas Mekas

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na bênção de Aarão (Números 6:24, “O Senhor faça brilhar seu rosto<br />

sobre ti”). Na metáfora bíblica, o rosto do Senhor é um sol que brilha<br />

dia e noite. Se <strong>Mekas</strong> está aqui reconhecendo o favor divino, o “sempre”<br />

indica extraordinária autoconfiança; pois, na cena seguinte, a última<br />

do capítulo, nós o vemos tocando o acordeão, o ícone da sua predestinação<br />

órfica. Explorando a metáfora luminosa, poderíamos presumir<br />

que ele estava sentado diante de Deus para seu retrato nesse capítulo.<br />

Mas o destinatário pode também facilmente ser Hollis, e nesse caso a<br />

legenda poderia ser interpretada: “Sua imagem está na minha mente<br />

durante toda a produção deste filme”. Por hipérbole, o “você” pode ser<br />

sua família, que o tem apoiado numa dimensão atemporal. Mais remotamente,<br />

podemos ler “Seu rosto” como um chamado ao público à maneira<br />

de Whitman; pois <strong>Mekas</strong> invoca com frequência o espectador em<br />

seu discurso eu-você. De qualquer forma, a necessidade de estabelecer<br />

uma segunda pessoa, tanto no sentido gramatical quanto no sentido<br />

epistemológico, é a base do uso da linguagem, escrita e falada, nesse<br />

filme; através do “você”, o cineasta distingue implicitamente seu projeto<br />

do sublime egotista de Brakhage. Aqui o mistério e a ambiguidade<br />

do pronome permitem que as três potenciais referências se fundam,<br />

conferindo um ar sagrado ao pacto que une o cineasta à divindade, à<br />

família e aos espectadores.<br />

Consequentemente, um epitalâmio abre o terceiro capítulo, enquanto<br />

a voz em over, em tom animado, proclama a surpresa desse casamento.<br />

Mas a surpresa real acontece quando ele identifica Hollis e a si<br />

mesmo como “os protagonistas deste filme”. A meio caminho, o foco<br />

do capítulo pula para a infância de Oona (seu nascimento só irá aparecer<br />

no capítulo 6). Contudo, até mesmo esse capítulo é assombrado, na<br />

trilha sonora, por uma poesia de desespero: Angus MacLise (1938-79)<br />

musica um longo texto que <strong>Mekas</strong> escreveu numa crise de 1966:<br />

A dor é mais forte do que nunca. Vi pedaços do paraíso e sei que<br />

tentarei voltar mesmo se doer... Agora quero filmar meu caminho<br />

através de mim até a noite profunda de mim mesmo. Dessa forma<br />

eu mudo meu curso, indo para dentro, assim estou pulando dentro<br />

da minha própria escuridão.

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