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Volume 3 - Jonas Mekas - Via: Ed. Alápis

Jonas Mekas

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226<br />

A causa e a natureza da dor do cineasta não são explícitas em seus<br />

diários em filme, talvez não possam ser, na medida em que precederam<br />

a aquisição de uma câmera, ou talvez ele não suporte falar sobre isso.<br />

O esquema temporal revelado aqui, de uma alegria presente automaticamente<br />

ligada a uma lembrança da infância, insinuando os tempos<br />

obscuros e atormentados entre elas, 9 lança luz retrospectiva sobre<br />

uma legenda anterior: “A beleza do momento o arrebatou e ele não se<br />

lembrou de nada que precedeu aquele momento”. A compensação de<br />

beleza tão intensa é o esquecimento das agonias pregressas; beleza, para<br />

<strong>Mekas</strong>, redime, ou ao menos ofusca nossa visão da Queda. A legenda<br />

aparece pouco antes de uma imagem de sua esposa, Hollis Melton, remando<br />

numa canoa – pelo movimento e pela posição da câmera fica claro<br />

que <strong>Mekas</strong> está sentado na canoa atrás dela, filmando. A cena no assento<br />

de trás da canoa, com folhas pendendo de árvores e passando pela<br />

câmera, é um tropo com longa linhagem no cinema de vanguarda americano,<br />

apesar de não parecer que o cineasta esteja tentando evocar aqui<br />

Ai-Ye, de Ian Hugo. Esse momento encapsula o humor arrebatador da<br />

abertura do filme, antes do começo da primeira crise. Mas quando, logo<br />

após as passagens da canoa, <strong>Mekas</strong> fala em over em cenas que conectam<br />

encontros com velhos amigos (dominados pela presença de sua filha,<br />

Oona, em diferentes fases de sua infância), ele desenvolve seu tropo de<br />

paraíso sem invocar o mito gnóstico de seu filme de 1979:<br />

Sem saber, ignorantemente carregamos, cada um de nós, carregamos<br />

conosco em algum lugar profundo algumas imagens do Paraíso.<br />

Talvez não imagens – algum sentimento vago, vago, de que<br />

estivemos em algum lugar – existem lugares, existem lugares em<br />

que nos achamos em nossas vidas, estive em alguns lugares em que<br />

senti, ah, assim deve ser o Paraíso, este é o Paraíso, o Paraíso era assim,<br />

algo assim, um pequeno fragmento do Paraíso. Não apenas os<br />

lugares – estive com amigos, muitas vezes, e sentimos, todos sen-<br />

9 Aqui gostaria de expandir a brilhante análise de David E. James a respeito das correntes subterrâneas<br />

de todo o projeto em diário de <strong>Mekas</strong>. James alega que a impossibilidade de ter imagens<br />

em filme da infância lituana do cineasta é “o centro ausente de todo o projeto” (Ibid., p. 168). Numa<br />

revisão do ensaio [aqui publicada, ver p. 165], ele o chama de “centro ausente e estruturante”.

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