07.02.2017 Views

Volume 3 - Jonas Mekas - Via: Ed. Alápis

Jonas Mekas

Jonas Mekas

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

o funeral, passando pelo Flux Wedding e a Black and White Piece (com<br />

a música de Zefiro Torna desejada pelo artista), para os anos 70. Com<br />

suas imagens recorrentes e seus sons divergentes, o work in progress<br />

de <strong>Mekas</strong>, obra proteiforme, continuamente remanejada e de unidade<br />

incerta mas sempre reafirmada (“Unity? Yes, my film has unity. It’s all<br />

spliced together” [Unidade? Sim, meu filme tem unidade. Está todo<br />

emendado]), diz uma cartela gentilmente provocadora de He Stands in<br />

a Desert...) revela-se enfim “more real than the reality gone now” [mais<br />

real que a realidade agora passada]. A carta sofredora precisa, para chegar<br />

ao seu destino, ser devolvida ao remetente. Uma forma, para <strong>Jonas</strong>,<br />

de devolver ao outro para além da morte o que este lhe ofereceu durante<br />

sua vida. Uma maneira, para nós, de entender o “This is a political film”<br />

[Isto é um filme político] entoado por tantas de suas criações tardias:<br />

uma política da doação, do legado e da transmissão.<br />

Donde o fato da forma estritamente autobiográfica do diário em<br />

filme não ser mais realmente essencial, dando lugar àquelas (antigas<br />

para a arte e a literatura, novas para o cinema) da galeria de retratos ou<br />

de vidas de homens ilustres; mas sem cerimônia nem ostentação, em<br />

toda a intimidade. A subjetividade reina. Seja qual for o gênero ou o<br />

registro abordado, ela dá o tom, a cada haiku, a cada epifania, a cada<br />

instantâneo cinematográfico marcado a priori com o selo anônimo e<br />

impessoal da notação pura.<br />

Não vejo, a este respeito, cena mais intensa e dilacerante em Zefiro<br />

Torna do que aquela, anunciada em voz off e precedida de uma simples<br />

cartela: “I visit George in Hospital. Boston, May 5, 1978” [Visito George<br />

no hospital. Boston, 5 de maio de 1978], que mostra-no-lo sobre a<br />

cama que o conduz ao fracasso de uma derradeira operação. São as últimas<br />

imagens dele vivo. Na fraca luz azulada do corredor do hospital,<br />

o rosto de George, tornado irreconhecível pela doença, mal é perceptível.<br />

O filme, que derrapou na câmera, parece tremer de emoção e nos<br />

furtar a representação que, em um mesmo gesto, ele leva à incandescência,<br />

como se o ponto de virada da existência de George só pudesse<br />

ser o centro necessariamente ausente da obra de <strong>Jonas</strong>. Este é o instante<br />

que o cineasta escolheu para se apagar. Sua voz se calou. A música de<br />

Monteverdi sobe, enquanto, como um pêndulo enlouquecido, o tem-<br />

215

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!