Untitled - Grumo
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grumo / número 02 / octubre 2003<br />
A furia do corpo (fragmento)<br />
João Gilberto Noll Nasceu em 1946, na cidade gaúcha de Porto Alegre. Formado em Letras, estreou como<br />
escritor com O Cego e A Dançarina (1980), livro de contos pelo qual recebeu três prêmios: Revelação de<br />
Autor (Associação de Críticos de Arte), Jabuti (Câmara Brasileira do Livro) e Ficção do Ano (Instituto<br />
Nacional do Livro). OBRAS: O Cego e a Dançarina (1980); A Fúria do Corpo (1981); B a n d o l e i r o s( 1 9 8 5 ) ;<br />
Rastros do Verão (1986); Hotel Atlântico (1989); O Quieto Animal da Esquina (1991); H a r m a d a(1993); A Céu<br />
A b e r t o(1996); Romances e Contos Reunidos (1997); Canoas e Marolas (1999); Berkeley em Bellagio ( 2 0 0 2 ) .<br />
No fim da tarde acordamos vermelhos e ardidos do sol, a bolsa com a arma<br />
entre nós dois, os corpos pedem um banho e lá vamos nós tirando a roupa<br />
durante a corrida até o mar, corremos tropeçando nas calças que estão sendo<br />
desvencilhadas das pernas, o primeiro a chegar receberá o prêmio eu grito e<br />
os dois cavalos desembestados esfregam as fuças no colorido do pôr-do-sol à<br />
direita, a louca corrida toma a direção do Posto Seis mas se desgoverna logo<br />
à procura do mar e nem tempo há para sentirmos o gelado das águas no mer-<br />
gulho uníssono e a cada vez que voltamos à tona o dia está mais extermina-<br />
do e reina a noite novamente e as águas se aquecem com a noite e as cam-<br />
balhotas saltam para o ar de estrelas e como se fosse a última noite avanço em<br />
direção ao menino que está de costas e de um bote puxo sua cueca e debaixo<br />
d’água meto meu caralho duro no cu do menino como se a matéria atraísse<br />
a matéria e jamais se colidissem porque meu caralho entrava como se tivesse<br />
sido feito para aquele cu e o menino urrava e da minha boca era expelida a<br />
saliva da consagração e eu mordia os cabelos do menino e arrancava com os<br />
dentes feixes do seu cabelo e o menino urrava e eu blasfemava contra a<br />
Criação e o menino fechava os olhos e sacudia a cabeça e urrava e seu cu era<br />
fundo e o meu caralho sempre avançava mais e eu montei no menino com<br />
os pés em volta das suas ancas e as ondas escuras batiam violentas arreben-<br />
tavam na nossa foda e o sal salgava e nos ardia e eu trouxe a cabeça do meni-<br />
no pra trás e a minha língua tocou sua garganta e a língua do menino<br />
alcançou o céu da minha boca e eu senti uma agulha penetrar pelo meu cére-<br />
bro e o fulminar do nosso gozo único. Depois, o mar levou os corpos para a<br />
areia e lá ficaram os dois corpos nus estirados sobre a areia até que vozes próx-<br />
imas nos fizeram botar a cueca e colher a roupa dispersa pela praia. A bolsa<br />
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do menino aberta, o revólver jogado a um metro. Na Praça Serzedelo Correia<br />
um crente com a Bíblia na mão conclamava a nós humanos ao arrependi-<br />
mento para entrar na Glória de Deus, ainda há tempo ele bradava com sua<br />
Bíblia na mão, ainda há tempo irmãos, São João foi amigo, basta nos darmos<br />
a São João e a Jesus Nosso Rei; em volta meia dúzia de fiéis começava a can-<br />
tar um belo hino que o menino conhecia e começou a cantar junto, me con-<br />
tou que era um hino de uns crentes lá de Morragudo, eles se reuniam aos<br />
domingos à noite perto do barraco onde ele foi criado, a mãe do menino fre-<br />
qüentava esses crentes mas o filho nunca quis acompanhar a mãe, o filho fica-<br />
va comendo a vizinha que tinha trinta e seis anos e que nunca casara porque<br />
era muito doente tomada pela diabetes e aos domingos à noite ela ia pro bar-<br />
raco do menino e dava pro menino, diz o menino que ela bebia muita água<br />
depois da trepada, voltava pra casa balbuciando sede sede sede, muito bran-<br />
ca. Era a primeira vez que o menino mencionava seu passado. Aleluia! O<br />
hino clamava, e o homem da Bíblia na mão repetia Aleluia! ALELUIA gri-<br />
tou um grupo numa das esquinas da praça e desse grito rompeu a batucada<br />
na frente do boteco da esquina, a mais enfezada era uma negra maluca<br />
rebolando na esquina com as pernas varicosas a mostrar a quem quisesse sua<br />
falta de dentes num riso rasgado, e a batucada explodia e prometia ir longe<br />
porque em cima do balcão do boteco já havia montes e montes de Brahma e<br />
alguns paraíbas que rodeavam o crente e que deveriam estar mesmo que de<br />
passagem postados ainda como fiéis acorreram à batucada e na esquina<br />
começou a se formar uma chacrinha com pessoas usando caixas de fósforos<br />
latas de garrafas como percussão, eu e o menino pedimos uma Brahma e<br />
ficamos olhando a batucada e o menino se enfezou e começou a bater na gar-<br />
D o s s i e r