Untitled - Grumo
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comprar uma arma para se proteger, Edésio, o vendedor, afirma: "o senhor<br />
faz bem, a cidade está muito perigosa. Eu mesmo já fui assaltado três vezes<br />
no táxi" 1 . O reconhecimento do leitor com essas situações é imediato, o que,<br />
por um lado, produz uma sensação de familiaridade, mas, por outro, pro-<br />
move um certo desespero: "é aqui que eu vivo".<br />
O tema da violência tem se demonstrado bastante recorrente na prosa<br />
brasileira dos últimos anos. Afinal, se o que se quer é colocar a realidade no<br />
texto, não há como escapar de tal tema. No entanto, há um grande perigo<br />
nesse tipo de narrativa: o de acabar se transformando num romance-<br />
reportagem, como ocorreu com inúmeros livros da década de 70. Ao querer<br />
dar conta do que seria a realidade brasileira, romances como Lúcio Flávio, de<br />
José Louzeiro, Cabeça de Papel, de Paulo Francis, entre outros, terminaram<br />
por perder a qualidade do ficcional, em prol de uma suposta fidelidade ao<br />
real. E com isso acabaram transformando a prosa em verdadeiros depoimen-<br />
tos, testemunhos ou reportagens jornalísticas.<br />
Nos anos 90, há um retorno dessa vontade de fazer uma ficção realista.<br />
Questões do tipo "o que é o Brasil?" e "quem somos nós?", tão presentes em<br />
diferentes momentos de nossa literatura, voltam à tona no presente. Uma<br />
certa urgência de falar da nossa realidade, da pobreza e da violência que se<br />
alastram nos países ditos subdesenvolvidos – ou "em desenvolvimento" –<br />
toma conta de muitos dos textos ficcionais de hoje. No entanto, me parece<br />
que o retorno de um realismo em nossa prosa contemporânea se dá de<br />
maneira distinta do realismo da década de 70, sobretudo porque agora não<br />
C r í t i c a s<br />
se pretende mais a aproximação da literatura ao jornalismo de forma tão<br />
acentuada. A ficção é marcada enquanto tal. Embora Marçal Aquino seja<br />
também jornalista, e afirme a importância de sua experiência como repórter<br />
policial, sua literatura não pretende ser a voz da verdade. E, por isso, nada é<br />
demasiadamente explícito em O invasor – as lacunas são fundamentais na<br />
constituição do texto.<br />
No que diz respeito à violência, por exemplo, percebe-se que ela é anuncia-<br />
da, mas não explicitada. Por isso, o golpe é ainda maior. Afinal, o que imag-<br />
inamos pode ser bem mais terrível do que o descrito. O próprio escritor afir-<br />
ma procurar isso em sua escrita. Diz ele, a respeito de O Invasor: "Eu queria<br />
que essa violência ficasse fora do quadro, que fosse apenas aludida. Não<br />
acredito na violência explicitada de forma gráfica (nem nos livros, nem no<br />
cinema). Acho que a violência se torna ainda mais tenebrosa quando o que<br />
acontece é imaginado por quem lê ou assiste".<br />
Aquino é um escritor que dá muita importância às ruas, pois é delas que<br />
nasce sua ficção. São Paulo, seu cotidiano e suas marcas de desigualdade<br />
social funcionam como um desencadeador da violência explorada no livro<br />
em questão. A marginalidade e a exclusão social terminam por levar à vio-<br />
lência extrema. Violência essa que se alastra por todos os setores sociais. Se é<br />
Anísio quem mata Estevão, são Ivan e Alaor, supostos homens de bem, de<br />
classe-média, que contratam seu serviço. Em O invasor, a separação entre<br />
periferia e elite é abolida, a partir do momento em que a ausência de ética<br />
domina ambas as classes. Não há uma divisão dialética entre o bem e o mal,<br />
todos são bandidos e todos são vítimas. Basta pegar o exemplo de Ivan, que