Untitled - Grumo
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grumo / número 01 / marzo 2003<br />
Realidade invade o texto –sobre o invasor, de Marcal Aquino<br />
Tatiana Levy *<br />
O livro O Invasor, do escritor paulista Marçal Aquino, é fruto de um fato bas-<br />
tante curioso. Quando apenas um terço do romance estava pronto, Beto Brant,<br />
parceiro de Aquino há anos (juntos, fizeram os longas Os Matadores e Ação<br />
entre amigos), propôs que filmassem a história. Marçal Aquino, então, deixou<br />
de lado o livro para se dedicar ao roteiro do filme, e só quando este estava final-<br />
izado, retomou a narrativa. Afirmar que o livro foi inspirado no filme pode ser<br />
por demais extravagante, mas talvez o encaminhamento da história tivesse sido<br />
outro, caso sua parceria com Brant não tivesse ocorrido. O fato é que o romance<br />
foi lançado depois do filme, e que, se foi fruto de uma “adaptação”, pode-se<br />
dizer que foi bastante fiel. Tirando o nome de um dos personagens principais,<br />
que no filme é Giba e no romance, Alaor, e algumas cenas de pouca importân-<br />
cia, a história é a mesma nas duas narrativas. Qual seria, então, o valor de pub-<br />
licar um texto como esse?<br />
Em entrevistas, Marçal Aquino disse que, se não fosse por insistência de<br />
Brant, não teria terminado o livro, pois, segundo o autor, o estímulo para<br />
escrever é não saber nada da história, ou saber muito pouco. No caso de O<br />
Invasor, o processo de escrita acabou se transformando num trabalho braçal<br />
de mudança de registro, uma vez que o rumo da história já estava definido.<br />
Mas um trabalho que certamente valeu a pena, pois terminou por reafirmar<br />
a posição de Aquino como um dos melhores escritores brasileiros contem-<br />
porâneos. Vencedor da Bienal Nestlé de Literatura, em 1991, com As fomes<br />
de setembro, e do prêmio Jabuti, com O Amor e outros objetos pontiagudos,<br />
Aquino revela, mais uma vez, sua capacidade de mostrar a realidade brasileira<br />
atual, sem deixar que se perca o caráter ficcional da narrativa.<br />
O livro narra a estória de dois amigos que decidem contratar um matador<br />
para eliminar o sócio majoritário da empresa de engenharia dos três. Só que<br />
o que eles não esperavam era que o bandido fosse invadir a vida deles,<br />
querendo tomar conta inclusive da empresa. Anísio, o matador de aluguel da<br />
periferia de São Paulo, depois de executar o serviço encomendado por Ivan e<br />
Alaor, instala-se no dia-a-dia da construtora, submetendo os dois à sua<br />
própria vontade. E vai além: querendo ocupar um lugar que julga ser seu, o<br />
invasor começa um relacionamento com Marina, a filha do sócio assassina-<br />
do. Com o desenrolar da estória, Anísio invade cada vez mais a vida de Ivan<br />
e Alaor. Ele passa a ser parte do mundo daqueles que mandam, desfazendo,<br />
assim, as fronteiras entre periferia e elite. Enquanto Alaor contorna a situ-<br />
ação, por se mostrar também um bandido, uma pessoa sem ética, Ivan, por<br />
sua vez, revela-se cada vez mais desesperado e, sem saber como lidar com o<br />
acontecido, acaba caindo numa cilada que o deixa sem saída. A tensão, tanto<br />
no livro quanto no filme, aumenta progressivamente, até chegar a um ponto<br />
que beira o insuportável, em que o leitor/ espectador mal consegue respirar.<br />
Tudo parece se encaminhar para um fechamento em que não há qualquer<br />
possibilidade de escapatória. Ninguém presta num mundo sem ética, onde<br />
não há mais distinção do bem e do mal. Tudo pode acontecer – e tudo acon-<br />
tece – nessa vida sem leis das cidades grandes, onde a violência atravessa<br />
todos os estratos sociais.<br />
1 8 6]<br />
O Invasor traça um retrato de São Paulo na atualidade. A Zona Leste, o<br />
tráfego pesado, pessoas pedindo dinheiro na rua e, sobretudo, a violência são<br />
alguns dos aspectos do cotidiano que aparecem no livro. Quando Ivan decide<br />
C r í t i c a s