Untitled - Grumo
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grumo / número 01 / marzo 2003<br />
O menino proletário- Osvaldo Lamborghini<br />
nele um canal de lábio duplo na perna esquerda até que o osso desprezível e<br />
safado ficasse exposto. Era um osso branco como qualquer outro, mas seus<br />
ossos não eram ossos semelhantes. Fatiei sua mão e vi outro osso, crispados<br />
os nódulos-falanges aferrados, cravados no barro, enquanto Estevão agoniza-<br />
va a ponto de gozar. Com minha gravata vermelha fiz um ensaio no pescoço<br />
do menino proletário. Quatro puxadas rápidas, dolorosas, sem ainda o prísti-<br />
no argênteo fim da morte. Evadir-se ainda literalmente na tardança.<br />
Gustavo por sua vez pedia aos berros um lenço fino de batista. Queria limpar<br />
a matéria fecal amontoada com a qual Estropiado! sujara a ponta rosada e<br />
ardente do seu falo. Acho que Estropiado! se borrou. Era enorme e agressivo<br />
diga-se de passagem o falo de Gustavo. Mexia-se com total independência e<br />
sozinho, assim e assim, cabeçadas e investidas. Ainda por cima tensionava os<br />
lábios delgados da sua boca como se já mesmo e sem mais tardar fosse urrar.<br />
E o sol se punha, o sol que se punha, punha. Os últimos raios nos ilumi-<br />
navam na tarde azul a rebentar. Cada coisa que rebenta, dentro e fora, den-<br />
tro e fora, entre e sai que rebenta, lívido, Gustavo olhava o sol que morria e<br />
exigia aquele lenço batista, bordado e maternal. Para acalmá-lo dei a ele meu<br />
lenço de batista com o rosto da minha mãe augusta bordado, rodeado por<br />
uma esplendorosa auréola imitando raios, tantas vezes sequei minhas lágri-<br />
mas nesse mesmo lenço, e sobre ele derramei, anos depois, minha primeira e<br />
trêmula ejaculação.<br />
Porque a vingança chama o gozo e o gozo a vingança, mas não em qualquer<br />
vagina e de preferência em nenhuma. Com meu lenço de batista na mão,<br />
Gustavo limpou sua ponta agressiva e assim devolveu-o a mim vermelho-<br />
sangue e marrom. Minha língua o limpou num segundo, até devolver ao<br />
pano sua cara augusta, o retrato com um colar de pérolas no pescoço, eh.<br />
Com um colar no pescoço. Ali mesmo. Estevão descansava olhando o ar<br />
depois de gozar e era minha vez. Eu me aproximei da forma do Estropiado!<br />
meio sepultado no barro e a virei com o pé. Na sua cara brilhava o corte obra<br />
do vidro triangular. O umbigo do raquítico luzia lívido azulado. Tinha os<br />
braços e as pernas encolhidos, como se agora e ainda, depois da derrota, ten-<br />
tasse se proteger do ataque. Reflexo que não conseguiu ter na hora certa, con-<br />
denado pela classe. Com o punção, alarguei o umbigo com outro corte.<br />
Jorrou o sangue entre os dedos das suas mãos. No estilo mais feroz o punção<br />
furo seus olhos com dois, só dois, golpes exatos. Gustavo me parabenizou e<br />
Estevão abandonou o gesto de contemplar o vidro esférico do sol para me<br />
parabenizar. Me abaixei. Conectei o falo à boca respirante do Estropiado!.<br />
Com os cinco dedos da mão, imitei a forma do chicote. Com chicotadas<br />
arranquei tiras da pele da cara do Estropiado! emiti a parca ordem:<br />
"Vai ter que chupar. Sucção"<br />
Estropiado! começou a chupar. Já quase sem forças, como se temesse me<br />
machucar, aumentando meu prazer.<br />
Mudando de assunto. A verdade é que nunca uma morte conseguiu me afe-<br />
tar. Daqueles que eu disse gostar e que morreram, se é que alguma vez disse,<br />
inclusive camaradas, ao irem embora me deram um claro sentimento de lib-<br />
eração. Era um espaço em branco aquele que se estendia para meu ranger.<br />
Era um espaço em branco.<br />
Era um espaço em branco.<br />
Era um espaço em branco.<br />
Mas também virá por mim. Minha morte será outro parto solitário que nem<br />
mesmo sei se conservo memória.<br />
Da torre fria e de vidro. De onde contemplei depois o trabalho dos avençais<br />
tendendo as linhas da nova estrada de ferro. Da torre erigida como se eu algu-<br />
ma vez pudesse estar ereto. Os corpos aplanavam-se com paciência sobre os<br />
labores encarregados. A morte plana, aplanada, que me deixa vazio e crispa-<br />
do. Eu sou aquele que ontem mesmo dizia e isso é o que eu digo. A exasper-<br />
ação não me abandonou nunca e meu estilo o confirma letra por letra.<br />
Deste ângulo da agonia a morte de um menino proletário é um fato per-<br />
feitamente lógico e natural. É um fato perfeito.<br />
1 4 6]<br />
Os despojos de Estropiado! não serviam para mais nada. Minha mão os apal-<br />
pava enquanto ele chupava meu falo. Com os olhos entreabertos e a ponto<br />
de gozar eu comprovava, só de passar a mão, que tudo já estava ferido com<br />
D o s s i e r