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Revista n.° 34 - APPOA

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Um monstro no ninho<br />

uma mulher não for mãe ela precisará trabalhar na construção de sua identidade<br />

de forma mais complexa, pois sua própria mãe evidentemente experimentou a<br />

maternidade. Muitas mulheres, descontentes com o que fizeram de sua vida,<br />

passaram para suas filhas o sonho de um destino diferente, desejando, mais<br />

que netos, que elas fossem independentes e bem-sucedidas. A estas se impõe<br />

um tipo de disparidade proveniente da falta de referências, pois precisam fundar<br />

um destino diferente do trilhado por suas predecessoras.<br />

É pagando caro por ser mulher, sendo motivo de cobiça selvagem dos<br />

prisioneiros, desacreditada pelos homens, quando do regresso à Terra, e pelos<br />

guerreiros com quem contracena nos vários filmes, que a personagem se vê<br />

obrigada a decepar sua feminilidade episódio a episódio. Parece não haver meio<br />

termo entre a fêmea poedeira e a guerreira virilizada. Além disso, o Alien sempre<br />

volta, os homens o convocam para que o duelo entre a mulher e a escravidão de<br />

sua carne possa se travar. Os roteiristas desses filmes fazem eco às opiniões<br />

de Beauvoir, ou ela acertou no diagnóstico do impasse entre os papéis de insignificante<br />

mãe dedicada ou de heroína implacável e estéril, que se colocam para<br />

cada mulher.<br />

Ellen Ripley é solitária, e não há laço com os homens que dure; os raros<br />

momentos de amor não garantem a sobrevivência do galã. Os “filhos” que vai<br />

encontrando ao longo da saga tampouco ficam com ela por muito tempo, pois<br />

está destinada a sempre perder tudo o que ama. Apesar disso, ela os defende e<br />

duela com a mesma força com que a poedeira defende seus ovos.<br />

O filme acredita numa garra das mulheres, mesmo que ainda proveniente<br />

da maternidade. É a todos os humanos que ela protege de sua própria insensatez<br />

em acreditar que podem controlar tal criatura, afinal, eles não sabem o que<br />

fazem. A função de salvadora não livra a nossa heroína do papel materno, pois,<br />

como bem nos recorda Helene Deutsch (1960, p. 52), “uma mulher não precisa<br />

dar à luz para ser maternal, pois a tendência maternal pode também dirigir-se<br />

para objetos indiretos”.<br />

Nesse sentido, temos a versão feminina dos tantos guerreiros contemporâneos<br />

da ficção que lutam sozinhos, sem contar com parcerias ou fazer parte<br />

de grupos. São incontáveis as tramas apoiadas nesse expediente, de heróis<br />

incompreendidos, desacreditados, perseguidos, tanto pelos vilões quanto por<br />

corporações corruptas. Vale o que Beauvoir observou sobre o valor social do<br />

guerreiro como superior ao da reprodutora; porém, hoje ele não luta mais em<br />

nome de um coletivo. A defesa de ideais ou nações anda desacreditada após as<br />

grandes guerras e o desmanche das utopias. Agora o combate é individual,<br />

saíram as batalhas, entraram os duelos, principalmente os que são travados<br />

entre o indivíduo e o mundo cruel.<br />

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