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Marianne Stolzmann Mendes Ribeiro<br />
A abordagem lacaniana parte do estudo das possíveis conseqüências do<br />
estágio inicial de impotência psicomotora do bebê sobre o desenvolvimento posterior<br />
de sua estrutura subjetiva, ou seja, a prematuração do ser humano quando<br />
de seu nascimento. É nesse sentido que Lacan afirma que a verdadeira<br />
prematuração do homem é a prematuração simbólica, pela qual a criança se<br />
inscreve no ser para o Outro. Logo, essa condição deixa transparecer uma falta<br />
fundamental, cujo sentido subjetivo é de uma perda ou de uma separação, ou,<br />
em última instância, a perda do objeto.<br />
Nessa mesma direção, Mario Eduardo Costa Pereira (1999) propõe que<br />
“qualquer abalo atingindo a garantia do reconhecimento simbólico primordial<br />
questiona radicalmente a estabilidade da imagem do eu” (p.230). Nele intervém<br />
um risco terrificante de desabamento.<br />
A angústia revela-se como efeito de uma interrogação sobre o desejo do<br />
Outro: que sou eu para ele? Nesse sentido, é querer ser para o outro a imagem<br />
mesma da significação de seu desejo para obter, em troca, sinais de amor.<br />
Esse desafio de ser uma imagem desejável para o outro (primeiro para o Outro<br />
Materno), pode ter sido difícil e incerto, o que resultaria num apelo desmedido,<br />
busca por um ideal; busca essa, infrutífera, que vai exigir um luto, que possibilitaria<br />
ao sujeito abandonar os pais e fazer laço com alguém. Julien (2000), em<br />
um livro com o sugestivo título de Abandonarás teu pai e tua mãe, coloca essa<br />
questão da seguinte maneira:<br />
O que surpreende é que a verdadeira filiação é ter recebido dos<br />
pais o poder efetivo de abandoná-los para sempre, porque a<br />
conjugalidade deles era e continua sendo primeira. [...] O filho não<br />
tem de dar em troca os tanto de amor quanto deles recebeu. Não,<br />
o amor desce de geração em geração, mas não remonta, caso<br />
proceda à lei do desejo (p. 46).<br />
Nessa mesma direção, poderíamos pensar que o que está em causa para<br />
um sujeito, desde sempre, é esse encontro com o obscuro desejo do Outro – em<br />
relação ao qual o sujeito está impotente. Esse estado de desamparo, produzido<br />
pelo desconhecimento do desejo do Outro, constitui, para Lacan, a base do afeto<br />
de angústia. Essa condição não é contingente, não depende de um acidente<br />
qualquer (como o nascimento), ainda que seja de ordem traumática. Ela é constituinte<br />
da inserção do sujeito na linguagem e na sua relação ao desejo do Outro.<br />
Essas questões são cruciais quando problematizamos como essa paciente<br />
se coloca na transferência, seja em relação ao seu objeto amoroso, seja<br />
em relação ao analista: