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Revista n.° 34 - APPOA

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Mário Corso e Diana Lichtenstein Corso<br />

sassinos que matam vários colegas de escola. Seu primogênito, Kevin, realizou<br />

um morticínio múltiplo, friamente calculado, de onze pessoas. Entre os mortos<br />

figura a vida pública da mãe, obviamente destruída após o evento.<br />

Como muitas mulheres de nossa época, essa mãe não tinha pouco a<br />

perder: levava uma vida bem interessante quando a maternidade a deportou para<br />

um mundo desconhecido, cheio de novas regras e exigências. Numa espécie<br />

de idealização da vida da mulher independente, avessa à rotina, encerrada e<br />

monótona, da dona-de-casa, a personagem de Eva Katchadourian é uma novaiorquina,<br />

escritora de guias de viagens para jovens; portanto, uma viajante profissional,<br />

culta e próspera. No campo amoroso ela é apresentada como igualmente<br />

bem sucedida, vivendo um casamento romântico com um homem atraente.<br />

Porém, não foi com os crimes cometidos pelo filho que a derrocada dessa vida<br />

idealizada de mulher livre começou, foi com seu nascimento, ou melhor, já durante<br />

a gestação.<br />

Como sua homônima, a personagem bíblica, condenada a padecer após<br />

a expulsão do paraíso, Eva gestou e pariu com dor. Seu relato da experiência é<br />

tocante, o corpo começa a assumir outras cores, os seios lhe parecem ubres, a<br />

vagina, outrora fonte de prazeres, “se tornou caminho para alguma parte, um<br />

lugar real, e não apenas para uma escuridão na minha cabeça” (p.66). Queixase<br />

de ser um instrumento biológico, seu corpo deixa de ser propriedade privada:<br />

— tudo o que me fazia bonita era intrínseco à maternidade, e até<br />

mesmo meu desejo de que os homens me considerassem atraente<br />

era uma maquinação de meu corpo projetada para expelir seu<br />

próprio substituto. Cruzada a soleira da maternidade, de repente<br />

você se transforma em propriedade social, no equivalente animado<br />

de um parque público (p.67,68).<br />

Como se vê, a obra é farta em sinceridade quanto às fantasias e aos<br />

contratempos da gravidez.<br />

Corroborando seus temores, o marido de Eva a congratula pela gestação:<br />

“Bem-vinda à sua nova vida!” (p.66). Nessa nova vida, sendo que ela gostava<br />

muito da velha, ela não escolherá mais como administrar seu tempo, sua alimentação.<br />

Suas prioridades serão as do feto, e ela descobre isso logo de entrada.<br />

Como uma princesa da ervilha, queixa-se do incômodo da situação: “já estava<br />

me sentido vitimada, como se eu fosse uma princesa, por um organismo do<br />

tamanho de uma ervilha” (p. 67).<br />

Eva desejou vagamente uma boneca, um bicho de estimação, um amigo<br />

imaginário, um substituto permanente do marido quando ele se ausentava, um<br />

troféu de sua relação; porém, nasceu-lhe um novo papel social e um amo monstruoso.<br />

A vida anterior, da mulher bem sucedida e sem filhos, é o paraíso perdi-

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