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Revista n.° 34 - APPOA

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Criação contemporânea e angústia<br />

Ou seja, se a Esfinge esqueceu a pergunta, o lugar do Outro está esvaziado<br />

como lugar do saber, e cabe a cada um se virar como puder na relação<br />

imaginária com seu semelhante num mundo em que está valendo tudo. Vivemos<br />

na era do vale-tudo. Se há lei, o indivíduo decide se ela está valendo ou não,<br />

o que quer dizer que quem faz a lei é cada um. Cabe avisar: o que tem aparência<br />

de liberdade individual é expressão máxima de tirania do gozo do Outro: as<br />

imagens se multiplicam ao infinito, sem que o sujeito possa identificar qual<br />

delas lhe diz respeito, assim como o retorno do real se dá de maneira traumática,<br />

pois carece de referências simbólicas que o delimitem.<br />

O esvaziamento do lugar simbólico do Outro promove seu retorno traumático<br />

no real e na inflação do imaginário, que se multiplica nos objetos de consumo<br />

propostos no mercado do espetáculo. A sociedade do espetáculo promove o<br />

deslocamento do ser para o ter e do ter para o parecer (Debord, 2000). Em<br />

nosso meio, a máxima que expressa isso é que não basta ser honesto, é preciso<br />

parecer honesto.<br />

A pulverização das grandes narrativas, que preenchiam o lugar vazio do<br />

Outro com uma organização simbólica e imaginária de suposição de saber o<br />

que era melhor para as vidas das pessoas, promove a “prevalência de um diálogo<br />

horizontal com o semelhante, mas sem dar maior atenção e sem ter maior<br />

interesse pelas mensagens que poderiam vir do Outro” (Melman, 2003, p.54).<br />

Na medida em que o lugar do Outro fica esvaziado das narrativas que<br />

organizavam o laço social, ocorrem certos efeitos sintomáticos. Esvaziado das<br />

grandes narrativas, o lugar do simbólico no Outro deixa exposta, demasiadamente<br />

exposta, sua borda real e imaginária. Esses efeitos são captados em<br />

primeira mão pelos poetas, escritores e artistas. São captados também, na sua<br />

versão nua e crua, na violência, como foi o caso das Gordon Riots. Não nos<br />

faltam exemplos de explosões de violência no real do corpo.<br />

Outra característica contemporânea decorre do discurso da tecnociência,<br />

que tem como ideal tamponar a falta, reduzindo o impossível a um por enquanto.<br />

Isso surge na fala cotidiana, quando se diz que fazemos apenas o possível, que<br />

o impossível demora um pouco mais. A tecnociência promete tornar possível<br />

amanhã o impossível de hoje. O ideal desse discurso é fazer a falta faltar, obturar<br />

a falta no Outro. O Outro em questão nesse discurso é sígnico, deixa de ser<br />

tesouro do significante para ser lugar do código, em que um signo representa<br />

algo para alguém, de preferência sem margem para mal-entendidos.<br />

Creio que é nos desdobramentos desse contexto, já chamado de pósmoderno<br />

por muitos autores, que podemos situar a obra de Vera Chaves Barcellos,<br />

artista representativa da arte contemporânea brasileira. De que forma sua criação<br />

espelha a angústia contemporânea?<br />

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