You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Os limites do analisável...<br />
“cuidadores” a quem ele podia se endereçar, instituições de saúde mental com<br />
as quais podia contar para conseguir circular para além do território da casa,<br />
instituições que o levaram a freqüentar a rua, a cidade. Dizia não conseguir ficar<br />
em lugares com muitas pessoas: “Quando isto acontece, eu me perco”, o que<br />
nos remete a pensar na problemática do eu na psicose.<br />
Já no acolhimento, ele falou de sua relação com a escrita, o que me levou<br />
a lhe propor que viesse trabalhar conosco no ateliê. E ele começou, primeiro<br />
copiando poemas antigos, para deixar na sua pasta do ateliê, para, em seguida,<br />
passar a escrevê-los ali mesmo, naquele espaço.<br />
A experiência com Seu Rovani pode nos ajudar a pensar nos limites da<br />
instituição terapêutica e sobre o lugar de testemunho que muitas vezes ocupamos.<br />
Ele certamente nos anunciava o seu desejo de publicar, porém esse não é<br />
um viés de nosso trabalho no ateliê. A construção da publicação de Seu Rovani,<br />
através da oficina de criatividade do Hospital São Pedro, remete-nos a pensar<br />
nos efeitos que podem se originar a partir do momento em que nos posicionamos<br />
como uma instituição não-toda. Há a dimensão da castração que colocamos<br />
em jogo.<br />
Penso que um dos limites do trabalho do analista, quando faz parte de<br />
uma instituição dessa natureza, está situado nessa junção, nessa borda entre o<br />
dito louco, e o social. Importa-nos como a instituição acolhe a loucura, como<br />
isso acontece para cada um – terapeutas ou pacientes –, como se constroem<br />
enlaces, espaços e momentos de vida intra e extra-institucionais, como podemos<br />
dar lugar ao não-sentido (non-sens), ao inusitado. Penso que é antes pela<br />
qualidade e pela natureza dos encontros que ali se dão que algo de “terapêutico”<br />
possa se produzir. Suportar que com muitos vamos fracassar e, mesmo assim,<br />
sustentar a potencialidade de um encontro, da surpresa. Não se trata, portanto,<br />
de pensar a composição de uma equipe como uma massa uniforme, mas em<br />
construir a clínica onde a alteridade seja garantida pelo lugar mesmo da fala.<br />
Ainda que nos pareça extremamente delirante, o discurso de um paciente<br />
vai estar ancorado em certa rede simbólica. Em suas construções, vamos<br />
encontrar conexões com elementos de sua própria história e das histórias do<br />
mundo, que recolhe. Da paranóia, por exemplo, Lacan dizia que seus elementos<br />
vinham da calçada, das ruas. Ficção que, numa instituição Caps, por exemplo,<br />
vai se tecer a partir de vários pontos, de diferentes encontros.<br />
Como é possível se chegar a certa amarragem desses vários pontos,<br />
quando isso é possível e em que momentos? Certamente essa é uma questão<br />
que aparece no trabalho com cada paciente, não é específica da clínica pública,<br />
mas é uma forma de entrar na questão do trabalho institucional e do analista aí<br />
inserido.<br />
121