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Os limites do analisável...<br />
convoca e nos provoca a “afinar” nosso trabalho de escuta, por vezes tão árduo.<br />
Enquanto clínicos, nos ocupamos do sujeito caso a caso, e o espaço das apresentações<br />
nos permite – ao menos é o que tentamos – pensar o praticável, a<br />
partir daquilo que se apresenta no encontro com cada paciente. Lacan nos fala<br />
da clínica como o real impossível a suportar. O que quer que façamos, isso<br />
retorna sempre, no mesmo lugar, sempre resta o inaudível, mas é importante<br />
construirmos o trilhamento dos momentos de giros e voltas que damos em<br />
nossas tentativas de apreensão desse real da clínica.<br />
Sabemos que Lacan manteve as apresentações de pacientes ao longo<br />
de 25 anos de seu ensino – apesar das críticas que recebia por sustentar essa<br />
prática –, como forma de resistência. Resistência na medida em que lhe interessava<br />
sustentar, no espaço mesmo da psiquiatria, a pesquisa clínica, quando<br />
já se anunciava uma psiquiatria nos moldes como a vemos hoje, com tendência<br />
classificatória e de supressão dos sintomas, organizada para tratar a doença,<br />
excluindo o sujeito. Assim como procedeu à releitura de Freud em seus seminários,<br />
através do trabalho em torno das apresentações que fazia, ele interrogava<br />
também a clínica psiquiátrica. Nessa “escuta entre vários”, do que diziam os<br />
pacientes nas apresentações, propunha um modo de pensar os fenômenos da<br />
loucura segundo os fundamentos psicanalíticos.<br />
Através das apresentações, somos testemunhas de uma mobilização<br />
discursiva mais intensa dentro da equipe, em torno do caso a ser levado para a<br />
entrevista. Elas permitem certa visibilidade da construção do caso clínico e<br />
incidem sobre esse processo de construção. À equipe cabe dar seqüência,<br />
portar os efeitos que se produzem no paciente a partir da apresentação, efeitos<br />
que incidem não somente sobre os pacientes entrevistados, mas também sobre<br />
a equipe que deles se ocupa. Vemo-nos às voltas com o que é possível transmitir<br />
a partir dessas intervenções, o lugar da platéia no dispositivo, enfim, com<br />
temas que emergem nesse modo de trabalhar que implica considerar a instituição<br />
psicanalítica como um lugar terceiro, instância a partir da qual pensamos a<br />
nossa prática, os limites, impasses e possibilidades do trabalho com certos<br />
casos, tudo acontecendo numa sucessão de testemunhos que presentificam,<br />
diríamos, a diferença, a alteridade. Nas apresentações, uma série de narrativas<br />
se sucedem, fios discursivos se tecem, tecendo o caso.<br />
Ana Costa (2007), no seu artigo Uma clínica aberta assinala o quanto a<br />
“temática da abertura e a dificuldade da constituição de endereçamento” fazem<br />
parte do cotidiano da clínica pública e o quanto é necessário “diferenciar entre a<br />
queixa sem sujeito e as condições de circunscrição de uma demanda singular”<br />
(Costa, 2007, p.147). Na saúde mental, o grande Outro institucional, anteriormente<br />
encarnado na figura do psiquiatra, continua a ser, ainda hoje, por ele<br />
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