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Jaime Betts<br />
Na recente mostra retrospectiva de sua obra no Santander Cultural, intitulada<br />
O grão da imagem – uma viagem pela poética de Vera Chaves Barcellos<br />
(2007), os curadores Agnaldo Farias, Fernando Cocchiarale e Moacir dos Anjos<br />
consideram que sua obra coloca aspectos cruciais para a compreensão do<br />
nosso próprio tempo: “O que é o real?” Sobre essa questão perguntam se é um<br />
fato ou uma construção, “um problema de linguagem que, como tal, tanto depende<br />
do mundo como do significado que emprestamos a ele?” (Santander Cultural,<br />
22 fev. 2007).<br />
Os curadores situam a posição como de uma artista conceitual, ou seja,<br />
“a quem interessa mais a idéia que dá lastro à obra de arte do que sua dimensão<br />
material”. Ressaltam também seu “intenso ativismo na defesa da divulgação da<br />
arte experimental como fato político” (ibid).<br />
Nesse sentido, a obra de Vera Chaves Barcellos é uma investigação poética<br />
e política da vida contemporânea e, ao mesmo tempo, um convite para o<br />
envolvimento do espectador, ao propor a obra como parcial, para que o espectador<br />
faça o resto, para chegar ao não-todo.<br />
As cento que catorze (114) obras expostas suscitam interpretações sobre<br />
o que é verdadeiro e o que é falso, o que são as representações e o que são<br />
as coisas, sobre aquele que vê e aquilo que é visto. No presente trabalho, abordaremos<br />
apenas três de suas obras, para levantar algumas questões.<br />
Os curadores afirmam que hoje predominam as indissociações e<br />
embaralhamentos entre aquele que vê e aquilo que é visto, entre a coisa e sua<br />
imagem. “Como sair do impasse?” (ibid), perguntam-se. Sugerem que seja pelo<br />
ataque ao cerne da imagem, pelo descer ao grão da imagem, revelando que tem<br />
certa materialidade, que tem qualidade de reprodução do visível, ainda que não<br />
se confunda com aquilo que representa. Aqui, a experiência do espelho de Lacan<br />
pode nos ajudar a delimitar a questão.<br />
Na tentativa de sair desse impasse, muitas obras de arte contemporânea<br />
procuram expor o espectador o mais diretamente possível a um confronto com o<br />
real. Voltaremos a esse ponto mais adiante.<br />
Lacan ([1962-63] 2005, p. 100) comenta que:<br />
Mesmo na experiência do espelho, pode surgir um momento em<br />
que a imagem que acreditamos estar contida nele se modifique. Quando<br />
essa imagem especular [...] deixa surgir a dimensão de nosso<br />
próprio olhar, o valor da imagem começa a se modificar – sobretudo<br />
quando há um momento em que o olhar que aparece no espelho<br />
começa a não mais olhar para nós mesmos. Initium, aura, aurora de<br />
um sentimento de estranheza que é a porta aberta para a angústia.