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Marianne Stolzmann Mendes Ribeiro<br />
Se é verdade que toda criança nasce na fragilidade e no desamparo<br />
de não poder ‘se virar’ por si mesma, todo o ser humano não<br />
retorna à infância diante da eminência do perigo? As pessoas à<br />
volta da criança têm, portanto, o dever de saber o que lhe falta para<br />
poder a isso responder sem demora (p. 24).<br />
Nesse sentido, podemos pensar o quanto essa resposta não estava sintonizada<br />
com as necessidades da criança, ou, dito de outra forma, o quanto o<br />
apelo da criança foi pouco acolhido pela mãe. No discurso dessa paciente, é<br />
recorrente a queixa de uma mãe pouco continente, competitiva e bastante voltada<br />
para as suas próprias paixões.<br />
Freud ([1914] 1976), em Sobre o narcisismo: uma introdução, texto fundamental<br />
quando situa a questão do eu ideal, refere-se a ele como o alvo do<br />
amor de si mesmo desfrutado na infância pelo eu real. O narcisismo do<br />
indivíduo surge, então, deslocado em direção a esse novo eu ideal 4 , o qual,<br />
como o eu infantil, se acha possuído de toda a perfeição. E complementa: “O<br />
que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo<br />
perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal” (p. 111). Parece-me<br />
que uma fratura na construção do eu ideal pode trazer conseqüências funestas<br />
para o sujeito no que diz respeito à assunção de uma posição menos<br />
demandante numa relação amorosa, no que concerne ao objeto sexual de sua<br />
escolha.<br />
Lacan lembra, na lição 9, do seminário A angústia, que o pensamento de<br />
Freud indica-nos que a “angústia é um sinal no eu [moi] e que se esse sinal está<br />
no eu, deve-se encontrar também no eu ideal” ([1962-63] 2005, p.131). Para<br />
Lacan, o eu ideal é a função mediante a qual o eu se constitui através da série<br />
de suas identificações com alguns objetos, apontando um problema bastante<br />
complexo – a ambigüidade da identificação e do amor – que, em última instância,<br />
remete à relação entre o ser e o ter.<br />
4 Nesse momento de sua obra, Freud ainda não faz a diferenciação entre ego ideal e ideal de<br />
ego, usando os dois conceitos algumas vezes indistintamente. Posteriormente, depois da elaboração<br />
da segunda tópica, o ideal do eu torna-se uma instância confundida muitas vezes com o<br />
superego, devido a sua função de auto-observação, julgamento e censura. Lacan, em seu texto<br />
A fase do espelho como formadora da função do Je (1949), situa o eu ideal como elaborado a<br />
partir da imagem do próprio corpo no espelho, sendo que essa imagem é o suporte da identificação<br />
primária da criança com seu semelhante.