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Os limites do analisável...<br />
tir da Apresentação de pacientes. Trata-se da Sra. I, que relatamos com mais<br />
detalhes no livro Psicose: aberturas da clínica (Trevisan, 2007). No livro, nós<br />
transcrevemos as duas entrevistas que Alfredo Jerusalinsky realizou com essa<br />
paciente, com a qual fomos levados a produzir uma série de intervenções, dado<br />
o caráter singular dos sintomas e do sofrimento apresentados por ela.<br />
A Sra I. chegou em um estado de amnésia e de anestesia corporal, dizia<br />
“não sentir o corpo e não sentir o gosto dos alimentos”. Quase não falava,<br />
dependia da filha até mesmo para a sua higiene corporal, numa posição de<br />
puro objeto, tendo permanecido assim ao longo de dois anos, entremeados por<br />
várias tentativas de intervenções, razões pelas quais propusemos o dispositivo<br />
da apresentação de pacientes. Na primeira entrevista, a paciente se encontrava<br />
em um estado de angústia extrema, transbordante, que “atingiu” também<br />
muitos dos que estavam presentes no auditório. Com uma fala gutural, chorando<br />
muito, ela emitia respostas curtas, não lembrava nem mesmo das figuras<br />
parentais. Um dos aspectos significativos dessa primeira entrevista foi uma<br />
intervenção de Alfredo, na qual ele apontou para a paciente a importância de<br />
lembrar, de produzir memória.<br />
Foi necessário primeiramente o trabalho de escuta da filha dessa paciente,<br />
para que esta suportasse certa separação, ou antes, um descolamento da<br />
mãe. Um trabalho clínico individual com a paciente pôde se inaugurar após uma<br />
crise de tonalidade persecutória, em que eclodiram várias questões que pareciam<br />
estar, até então, sufocadas, como o seu choro. Ela passou a lembrar-se das<br />
coisas, numa posição bastante investigativa, e recuperou um lugar mais ativo,<br />
de certo domínio, reivindicando junto à filha a autoria de seus atos. Retornou<br />
para uma segunda entrevista de apresentação de pacientes, com Alfredo, nessa<br />
outra posição, na qual o que prevalecia era uma queixa com relação ao “pouco<br />
prazer” e ao “pouco gosto” que sentia em sua vida. O tempo que durou o trabalho<br />
dessa paciente comigo foi o tempo de ela conseguir lembrar, recuperar a sua<br />
capacidade de fazer escolhas sobre a sua vida, a ponto de encerrar o tratamento<br />
conosco porque decidiu ir morar em outra cidade, cidade onde tinha amigos e<br />
onde poderia se divertir e sentir o sabor das coisas. Se uma análise, como diz<br />
Lacan, leva o sujeito a “sentir mais”, talvez possamos dizer que esta foi uma.<br />
Um dos aspectos que nos interessa destacar a partir deste fragmento foi<br />
a intensa mobilização da equipe em torno da clínica do caso dessa paciente,<br />
que vinha com um diagnóstico de esquizofrenia e que poderia ter ficado naquele<br />
estado inicial de semi-catatonia, não fosse a insistência e a aposta em um<br />
trabalho possível com ela. A atualidade do dispositivo da apresentação psicanalítica<br />
de pacientes se faz presente quando não recuamos face aos pontos de<br />
ignorância que se apresentam para nós a partir da clínica.<br />
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