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Revista n.° 34 - APPOA

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Luciane Loss Jardim<br />

que permanece e tem função de resto nessa operação. Portanto, algo sobrevive,<br />

ressurge da função irredutível do tronco, algo sobrevive apesar da atenuação<br />

cristã da angústia do Outro. A atenuação da angústia dos deuses antigos do<br />

México pela colonização cristã espanhola possibilitou que os sacrifícios e incorporações<br />

passassem a ser através de símbolos e ritos.<br />

Nessa perspectiva, encontramos o ritual do día de los muertos, manifestação<br />

da cultura mexicana presente nos dias de hoje, tradição que é vivida em<br />

toda sua plenitude pelo seu povo. A morte é festejada em todo território mexicano;<br />

são três dias de festa nos quais o mexicano freqüenta a morte, brinca com<br />

ela, acaricia-a, dorme com ela, festeja-a. A morte, segundo Octavio Paz, é um<br />

das brincadeiras favoritas do mexicano e este a ama e idolatra-a permanentemente.<br />

O mexicano, diante da morte, tem medo como qualquer outra pessoa,<br />

entretanto, não a esconde e tampouco se esconde dela, contempla-a cara a<br />

cara com impaciência, desdém e ironia. As canções, refrãos e festas populares<br />

manifestam, de maneira inequívoca, que a morte não assusta os mexicanos,<br />

pois, como refere Octavio Paz, “la vida nos ha curado de espanto” (Paz, 2004, p.<br />

193); traduzindo, a vida nos curou de medo.<br />

A indiferença do mexicano diante da morte é a outra face da sua indiferença<br />

diante da vida. Nas palavras de Octavio Paz: “Matamos porque la vida, la<br />

nuestra y la ajena, carece de valor” 3 (Paz, 2004, p. 194). Portanto, a morte<br />

mexicana é o espelho da vida mexicana. Entretanto, o desdém da morte não é<br />

contraditório com o culto que lhe rendem, pois está presente nas festas, nos<br />

jogos, nos amores e no pensamento cotidiano. Matar e morrer são idéias que<br />

poucas vezes abandonam o mexicano. A morte seduz o mexicano, fascina-o, e,<br />

por outro lado, a morte despe os indivíduos das suas vaidades e nos converte<br />

naquilo que somos: um saco de ossos, ou seja, “mueca espantable” (Paz,<br />

2004, p. 194).<br />

Nesses dias de finados são erigidos altares em homenagem aos mortos.<br />

Eles são erguidos dentro das residências, em edifícios públicos, nas praças e<br />

cemitérios. Nos altares são depositadas oferendas de todos os tipos para o<br />

morto, comidas da preferência do morto, doces, caveiras de açúcar, esqueletos,<br />

bebidas, objetos de que o morto gostava, pan de los muertos, muitas flores,<br />

papéis coloridos e água, que não pode faltar, caso toda a comilança dê sede ao<br />

morto.<br />

Justamente, a idéia é de agradar ao morto, de venerá-lo, pois existe o<br />

temor de que ele esteja mal e que regresse, e venha molestar o vivo. Portanto,<br />

3 Traduzindo: “Matamos porque nossa vida e a alheia não têm valor”.

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