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Revista n.° 34 - APPOA

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Um monstro no ninho<br />

do de ser mãe com um bebê que parecia ser de verdade. Como se dois tempos<br />

contraditórios, a maternidade lúdica e a real, se fundissem. A gestação é uma<br />

dessas experiências, ela bem pode principiar para que se tome esse susto ao<br />

ver que a menina cresceu e a brincadeira acabou.<br />

Na experiência da maternidade estão em jogo todas essas identidades: a<br />

do bebê e da menina que se foi; a da identificação com a mãe que se teve; a da<br />

irmã que odiou, amou ou invejou seus rivais; a da cobiça pelas “bonecas-bebêsde-verdade”<br />

que só as mulheres grandes ganhavam. Assim, podemos listar inúmeros<br />

segredos que o encontro da mulher com a materialização de sua fertilidade<br />

pode gerar, e serão sempre uma surpresa. Aqui, o terror não provém de fora,<br />

ele é suscitado pela revelação de uma verdade interior.<br />

Para a continuação ou a interrupção de uma gestação haverá sempre um<br />

discurso racional, nossa versão oficial dos fatos, mas sob ele escondem-se<br />

outras razões, inconscientes, que seguramente conduzem nossos passos.<br />

Somente a compreensão dessas explica o sofrimento e a cilada da mãe de<br />

Kevin, seu envolvimento doentio com um filho que tanto quis, quanto não o<br />

suportou. Eva vai arrolando aos poucos as pistas: sua identidade de eterna<br />

viajante, que freqüentava seu casamento, sua cidade, mas sem prender-se neles,<br />

em contraste com a vida da sua própria mãe, que era totalmente reclusa e<br />

vivia acuada pelos medos e pelo peso da memória do massacre dos armênios.<br />

Kevin levou-a para dentro desse beco do qual ela sempre fugiu. Ele foi<br />

preso num centro para menores infratores, e ela ficou presa a ele, com uma<br />

única razão de viver, que era visitá-lo. Impedida de circular na rua, pela notoriedade<br />

do filho assassino, crime do qual foi igualmente acusada, ela por fim acabou<br />

vivendo solitária e encerrada em casa, como sua mãe. Coincidências? Não,<br />

é uma experiência ficcional das mais sinistras justamente porque poderia ter<br />

acontecido.<br />

Um espectro ronda o primeiro lar...<br />

Na entrada do século XX, Freud já havia levado a peste para dentro das<br />

certezas humanas, das famílias e até da infância. A consciência, antiga fonte de<br />

racionalidade e certezas, já não era considerada confiável, pois ela ignorava<br />

pensamentos a que não podia ter acesso. Agora, adoecia-se de desejos e reminiscências,<br />

e ela nada sabia disso. A família, outrora asséptico refúgio moral,<br />

estava agora contaminada pelas fantasias incestuosas e agressivas, num destino<br />

anunciado pelos oráculos consultados por Édipo. As crianças, longe dos<br />

anjos que se supunha serem, tábulas rasas à mercê da educação, revelavam-se<br />

capazes de fantasias eróticas envolvendo todos os orifícios do corpo, a serviço<br />

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