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Revista n.° 34 - APPOA

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Ester Trevisan<br />

De um modo completamente outro construímos as intervenções com o<br />

Sr. Rovani Machado, que também chegou até nós com diagnóstico de<br />

esquizofrenia paranóide e que conseguiu, a partir de sua inscrição no ateliê de<br />

escrita no Caps, voltar a escrever e publicar um livro de poesias. No espaço do<br />

ateliê, ao longo de quatro anos, Seu Rovani, como o chamávamos, escreveu a<br />

maior parte dos poemas publicados no seu livro Fragmentos de uma existência.<br />

Fazíamos a leitura em primeira mão de seus manuscritos em muitas dessas<br />

sessões. A partir dessa primeira leitura, em voz alta, para o grupo que ali escrevia,<br />

começamos com ele a destacar as imagens de sua escrita, imagens que se<br />

destacavam com a voz, voz que saía da condição persecutória. Muitas vezes<br />

retomávamos a leitura, a cada vez uma nova pontuação era possível, ele escrevia<br />

sem pontos, nem vírgulas, em letras grandes, maiúsculas e trêmulas com as<br />

quais preenchia o centro do papel, bem longe das bordas. Uma, duas, três<br />

palavras e passava para a linha de baixo, parando somente quando terminasse<br />

de escrever.<br />

As imagens de seus textos levavam-nos inevitavelmente a produzir associações.<br />

Era alguém que conseguia traduzir o seu sofrimento, a sua angústia de<br />

forma contundente e concisa: na minha experiência, poucos são os pacientes<br />

que fazem essa tentativa de transmitir a sua angústia na forma poética. Ele<br />

parecia ser tomado pela escrita, fazia-a jorrar no papel, de uma só vez. Tinha<br />

uma dificuldade visual importante, que o fazia escrever com os olhos bem próximos<br />

da folha. Depois de escrever, copiava e levava o poema em uma pasta que<br />

sempre o acompanhava.<br />

Pela sua escrita, ele fez aparecer a sua cisão: parecia sempre estar na<br />

borda de uma fenda muito profunda. Sofria de alucinações visuais e auditivas,<br />

que o mantinham por longos períodos num encarceramento voluntário, em sua<br />

casa. Algumas vezes, quando estava nos seus períodos mais críticos, precisava<br />

pedir a um amigo que o trouxesse, ou vinha em companhia de uma de suas<br />

netas – os “anjinhos” de seus poemas – pois sozinho não conseguiria vir. O<br />

ateliê era o único espaço que freqüentava no Caps – vinha ao serviço para escrever.<br />

Continuava a fazer o acompanhamento psiquiátrico no Hospital Psiquiátrico<br />

São Pedro e, em algum momento, retornou para a oficina de criatividade daquele<br />

hospital, e foi assim que encontrou o grupo que organizou com ele a publicação<br />

de seu livro.<br />

Ele viera encaminhado ao Caps através de uma colega que o recebia no<br />

grupo de saúde mental da unidade sanitária próxima de sua casa, quando estava<br />

em um período de muita angústia e ela tentava evitar nova internação. Vale<br />

dizer que, a partir do momento em que começou a freqüentar o ateliê de escrita,<br />

ele nunca mais precisou recorrer à internação. Armava-se uma rede de

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