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Revista n.° 34 - APPOA

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Sandra Djambolakdjian Torossian<br />

centes, os quais deixam a mãe falar para assinar embaixo de suas palavras ou<br />

criticá-las. Aqui não havia concordância nem crítica: a mãe tinha “falado tudo”,<br />

não restando espaço para as palavras de Fênix.<br />

O primeiro indício da instauração transferencial dá-se quando Fênix me<br />

mostra as marcas que restaram de sua tentativa de suicídio, dizendo ser eu a<br />

primeira pessoa que as vê. Endereça-me uma demanda: fazer algo com as<br />

marcas que restaram. Isso lhe permite falar da sua história com a namorada, de<br />

uma traição, do hospital e das drogas.<br />

Num determinado momento da sua análise, Fênix diz sentir-se envergonhado<br />

por algo que fez um tempo atrás. A vergonha é, nesse momento, um<br />

ganho terapêutico já que uma das construções desse sujeito era a diferenciação<br />

de espaços entre ele e os outros. Após tomar qualquer olhar como<br />

persecutório, por exemplo, perguntar-me por que o estou olhando dessa forma,<br />

ou referir ver monstros que o espiam, na janela surge a vergonha. Ao envergonhar-se,<br />

a exterioridade do olhar ganha um novo estatuto, já não o consome, já<br />

não o invade, mas lhe permite interrogar-se.<br />

O motivo da vergonha reside na utilização de cocaína num momento em<br />

que tinha se proposto a interromper o consumo de drogas. O impacto maior<br />

está na sua justificativa: ou fazia isso ou se matava. Sem metáforas, estava aí a<br />

sua verdade.<br />

Suportar esse endereçamento transferencial foi tarefa árdua. O trajeto entre<br />

o olhar engolidor e a possibilidade de se envergonhar requereu um trabalho de<br />

cavoucação e lapidação produtor de angústia. Nenhum dizer parecia fazer efeito.<br />

Do trabalho de lapidação foi se delineando uma fronteira entre os olhares.<br />

O “pó” da “pedra” foi se transformando em um elemento de mediação. O “pó” da<br />

cocaína auxilia na construção de um anteparo que impede a morte do sujeito.<br />

A escuta do sofrimento nas toxicomanias<br />

A postura analítica, nesses momentos, é fundamental. Uma postura que<br />

priorize a escuta, sem enveredar pelos caminhos da moral. Além disso, é necessário<br />

desviar-se do caminho que propõe a competição com o tóxico. Se<br />

entrarmos nele, certamente sairemos perdendo.<br />

O analista não está no lugar de substituir o tóxico, mas de poder suportálo.<br />

Somente assim poderemos fazer o sujeito falar. A possibilidade de falar sobre<br />

as drogas propicia o deslocamento de significantes na cadeia associativa e,<br />

conseqüentemente, o trabalho com o sofrimento.<br />

Nas situações mencionadas, os tratamentos inscrevem-se na via de um<br />

reconhecimento e construção do desejo, mesmo que esse apareça por relâm-

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