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Revista n.° 34 - APPOA

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Criação contemporânea e angústia<br />

A terceira obra de Vera Chaves Barcellos que destacaremos se chama<br />

Não à guerra (No a la guerra) (fig. 5). Nesse trabalho, aparece em primeiro plano<br />

a figura do rosto da artista sendo esbofeteado de um lado para o outro por uma<br />

mão invisível, e como pano de fundo, entre um golpe e outro, se podem ver<br />

imagens da guerra do Iraque. As imagens, trazendo cenas do cotidiano da guerra,<br />

são como aquelas que podemos ver cotidianamente nas telas dos noticiários.<br />

São cenas de atrocidades apresentadas de forma banalizada, como se<br />

nada fossem, sem tempo nem chance de um mínimo de repercussão no espectador,<br />

pois imediatamente somos bombardeados com novas imagens que nada<br />

têm a ver com as exibidas anteriormente. A única exceção a esse procedimento<br />

de banalização do mal e do sofrimento nas redes de televisão se dá quando<br />

alguém, cidadão digno de respeito, sofre um ato de violência por parte de algum<br />

“elemento”, e é dado o espaço e alguma reflexão sobre o sofrimento que o ato<br />

de violência sofrido causou na vítima, com a qual nos identificamos, como se<br />

nada tivéssemos a ver com o contexto violento que gerou o ato de violência em<br />

primeiro lugar.<br />

Para Lacan ([1964] 1979), o real pode ser definido em termos de trauma,<br />

no sentido de que quando o real transpassa a tela-imagem, ele tem efeito traumático<br />

para o sujeito. O traumático é o encontro faltoso com o real. É faltoso<br />

porque o real não pode ser representado, apenas recoberto pelo véu das imagens<br />

formadas na tela e delimitado pelos significantes, que podem significar a<br />

falta. Nesse sentido, a repetição é a tentativa do sujeito de recompor a tela que<br />

delimite o furo com o significante e estenda sobre o real um quadro, véu imaginário<br />

que o oculte, deixando apenas entrever seu rastro, como no fantasma.<br />

Entretanto, a repetição, enquanto encontro traumático com o real, resiste ao<br />

simbólico, pois não é nem significante, nem imagem.<br />

No encontro traumático com o real há uma realização da cena de horror<br />

do fantasma. Isso quer dizer que “o horror está no fundo de todo desejo. O horror<br />

ocorre quando o objeto a salta aos olhos. Nesse momento, o sujeito desvanece,<br />

há uma afânise do sujeito, ele não pode pensar em mais nada, está na pura<br />

experimentação deste horror” (Melman, 2003, p.73).<br />

Quando o real da violência é banalizado pelas imagens cirurgicamente<br />

descontextualizadas e pasteurizadas, acabamos não vendo mais o horror.<br />

Habituamo-nos a ele, e é necessária sempre uma dose maior de horror para<br />

senti-lo. Entretanto, seu efeito traumático se torna velado e seu retorno sobre o<br />

sujeito se dá de forma insuspeitada. Tanto pode retornar, por exemplo, incidindo<br />

sobre as relações paranóicas com o semelhante, visto com suspeita como um<br />

potencial agressor – as pessoas andam com medo pelas ruas, sem saberem<br />

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