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Um monstro no ninho<br />
A primeira infância transcorre normal, mas aos poucos a mãe começa a<br />
estranhar seu filho Damien 17 . Uma inexplicável sensação de sinistro a percorre<br />
e ela se sente culpada, vai ao psiquiatra, tenta curar-se da dificuldade de vincular-se<br />
a ele. No aniversário de cinco anos do menino, sua babá se enforca na<br />
frente de todos os convidados. Faz isso chamando Damien, dizendo que seu<br />
ato era “para ele”. Surge uma nova babá, que adquire a confiança dos pais e se<br />
aproxima da criança na mesma proporção com que a mãe se afasta, sentindose<br />
cada vez mais estranha em relação ao próprio filho 18 .<br />
Aqui, o filho é estranho, e a mãe se inquieta ao não sentir por ele nenhuma<br />
ligação amorosa. Tanto ele a olha com frieza, quanto ela não consegue ter<br />
um olhar para ele. Na vida real existem situações extremas, nas quais o<br />
estranhamento entre mãe e filho acontece de forma tão radical que inviabiliza o<br />
estabelecimento do vínculo da dupla: a mãe se ressente de não sentir a conexão<br />
que deveria, e o bebê nada encontra na mãe. Há uma cena no início do filme<br />
que retrata esse desencontro, na qual a mãe está com ele numa pracinha,<br />
perde-o de vista e se desespera, mas ele não estava longe. É ela que de alguma<br />
forma não o enxerga.<br />
Oposto à idéia de que o encontro entre mãe e filho é inevitável, um amor<br />
à primeira vista, há casos em que esse desencaixe muitas vezes é insolúvel.<br />
São os que detectamos e diagnosticamos como depressões puerperais e quadros<br />
de graves desconexões no filho, os quais podem redundar nas formas extremas<br />
do autismo e das psicoses precoces. Se aquele que nasce não se instala<br />
em alguém que possa funcionar como uma base, uma função materna que providencie<br />
um olhar no qual pendurar-se para aprender a existir, o bebê ficará no<br />
vazio, será um corpo sem alma, ou uma alma perdida em busca de um autor.<br />
Embora esse quadro extremo seja assustador, é preciso admitir que, de<br />
forma leve ou moderada, algum desencontro faz parte do puerpério normal, principalmente<br />
para as mães principiantes. Em algum momento elas se pescam<br />
distraídas, longe, esquecidas de que seu filho nasceu, e sentem-se mais leves<br />
graças a isso. Como ainda não estão acostumadas à sua presença, ainda não<br />
o compreendem; tampouco o internalizaram, e a realidade do bebê ainda as<br />
17 O nome do menino é sonoramente próximo a daimon, gênio em grego, ou daemon em latim, na<br />
mesma acepção de gênio tutelar, que pode ser bom ou ruim, mas que posteriormente veio dar na<br />
palavra demônio como príncipe das trevas, tal qual a conhecemos.<br />
18 A título de anedota cinematográfica, como uma citação inserida na refilmagem de 2006 dessa<br />
história, a babá guardiã do demônio, Mrs. Baylock, é protagonizada pela mesma atriz, Mia<br />
Farrow, da personagem de Rosemary, que já havia se revelado uma boa mãe para o demônio no<br />
filme de Roman Polansky.<br />
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