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Revista n.° 34 - APPOA

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Um monstro no ninho<br />

A primeira infância transcorre normal, mas aos poucos a mãe começa a<br />

estranhar seu filho Damien 17 . Uma inexplicável sensação de sinistro a percorre<br />

e ela se sente culpada, vai ao psiquiatra, tenta curar-se da dificuldade de vincular-se<br />

a ele. No aniversário de cinco anos do menino, sua babá se enforca na<br />

frente de todos os convidados. Faz isso chamando Damien, dizendo que seu<br />

ato era “para ele”. Surge uma nova babá, que adquire a confiança dos pais e se<br />

aproxima da criança na mesma proporção com que a mãe se afasta, sentindose<br />

cada vez mais estranha em relação ao próprio filho 18 .<br />

Aqui, o filho é estranho, e a mãe se inquieta ao não sentir por ele nenhuma<br />

ligação amorosa. Tanto ele a olha com frieza, quanto ela não consegue ter<br />

um olhar para ele. Na vida real existem situações extremas, nas quais o<br />

estranhamento entre mãe e filho acontece de forma tão radical que inviabiliza o<br />

estabelecimento do vínculo da dupla: a mãe se ressente de não sentir a conexão<br />

que deveria, e o bebê nada encontra na mãe. Há uma cena no início do filme<br />

que retrata esse desencontro, na qual a mãe está com ele numa pracinha,<br />

perde-o de vista e se desespera, mas ele não estava longe. É ela que de alguma<br />

forma não o enxerga.<br />

Oposto à idéia de que o encontro entre mãe e filho é inevitável, um amor<br />

à primeira vista, há casos em que esse desencaixe muitas vezes é insolúvel.<br />

São os que detectamos e diagnosticamos como depressões puerperais e quadros<br />

de graves desconexões no filho, os quais podem redundar nas formas extremas<br />

do autismo e das psicoses precoces. Se aquele que nasce não se instala<br />

em alguém que possa funcionar como uma base, uma função materna que providencie<br />

um olhar no qual pendurar-se para aprender a existir, o bebê ficará no<br />

vazio, será um corpo sem alma, ou uma alma perdida em busca de um autor.<br />

Embora esse quadro extremo seja assustador, é preciso admitir que, de<br />

forma leve ou moderada, algum desencontro faz parte do puerpério normal, principalmente<br />

para as mães principiantes. Em algum momento elas se pescam<br />

distraídas, longe, esquecidas de que seu filho nasceu, e sentem-se mais leves<br />

graças a isso. Como ainda não estão acostumadas à sua presença, ainda não<br />

o compreendem; tampouco o internalizaram, e a realidade do bebê ainda as<br />

17 O nome do menino é sonoramente próximo a daimon, gênio em grego, ou daemon em latim, na<br />

mesma acepção de gênio tutelar, que pode ser bom ou ruim, mas que posteriormente veio dar na<br />

palavra demônio como príncipe das trevas, tal qual a conhecemos.<br />

18 A título de anedota cinematográfica, como uma citação inserida na refilmagem de 2006 dessa<br />

história, a babá guardiã do demônio, Mrs. Baylock, é protagonizada pela mesma atriz, Mia<br />

Farrow, da personagem de Rosemary, que já havia se revelado uma boa mãe para o demônio no<br />

filme de Roman Polansky.<br />

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