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Revista n.° 34 - APPOA

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Um monstro no ninho<br />

com sua mãe e avó, ou o anúncio de um futuro restrito, já que terá que trabalhar,<br />

ao invés de estudar, e trocar sua vida social por noites de fraldas e mamadeiras.<br />

Pode ser a forma de livrar-se de uma mãe que não deixa a filha crescer, oferecendo-lhe<br />

um neto e deixando-o no seu lugar. Pode ser um meio de união com o<br />

homem amado, o sinal de que o casal quer construir algo junto, ou o início de uma<br />

seqüência de abandonos masculinos, nos quais a mulher sempre se encontra<br />

enfim só, criando o filho e ruminando seus sonhos frustrados de família feliz.<br />

Engravidar é um acontecimento feminino de múltiplos significados, e boa<br />

parte deles não contém a intenção genuína de ser mãe. O fato de que um<br />

deslize psicológico ou biológico (do casal) tenha redundado numa gravidez não<br />

planejada não deve impor uma maternidade compulsória. Se em muitos lugares,<br />

legalmente, o aborto é considerado um crime contra a vida, talvez seja mais<br />

criminoso impedir que a mulher faça essa escolha em seu destino.<br />

Nos debates sobre a legalização do aborto, além dos dilemas éticos<br />

sobre quando começa a vida e quem tem direito sobre ela, fica omitido um fato:<br />

não conseguimos realmente dar vida a um filho que não desejamos. Somos<br />

pouco magnânimos, incapazes de um amor que não nos venha a calhar. Queiramos<br />

ou não, é assim que as coisas acontecem.<br />

O desejo por um filho também não é de uma só maneira, ele pode ter<br />

inúmeras conjugações e todas elas funcionam de alguma forma. Há ocasiões<br />

em que o filho nasce cedo demais, ou tarde demais, que é fruto de uma relação<br />

muito jovem, ou ainda, que já acabou, conseqüência da vontade de um, mas<br />

não do outro. Enfim, variações que demonstram que querer um filho é algo que<br />

pode ser escrito por linhas tortas, e em geral o é. O que essas histórias têm em<br />

comum é que alguém envolvido no acontecimento de uma gravidez, de alguma<br />

forma, está disposto a bancá-la. Quando há escolha, torna-se mais responsável<br />

a relação com cada gestação mantida. O direito à contracepção, assim como à<br />

interrupção voluntária da gravidez, parecem colocar as coisas num terreno de<br />

melhor prognóstico, já que tenderiam a nascer os que foram de algum modo<br />

desejados, aqueles para os quais há energia e condições psíquicas disponíveis.<br />

Porém, a concepção é ainda mais complicada do que parece. A partir de<br />

sua experiência de entrevistas, realizadas na França, por exigência legal, como<br />

parte do processo de interrupções voluntárias da gravidez, a psicanalista Marie-<br />

Magdeleine Chatel (1995) escreveu sobre a necessidade de pensar qualquer<br />

gestação como significativa. Nesse trabalho, ela constatou que, mesmo entre<br />

as mulheres firmemente determinadas a abortar, surge sempre uma fala reveladora<br />

de que o momento da concepção foi peculiar, sintomático. Apesar das racionalizações<br />

necessárias para sustentar a decisão de interrompê-la, essa autora<br />

enfoca que é sempre importante tentar alguma elaboração sobre como foi que<br />

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