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Revista n.° 34 - APPOA

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Um monstro no ninho<br />

Em seu clássico texto sobre o Estádio do espelho como formador da<br />

função do eu, de 1949, Lacan lembra como os bebês humanos ficam fascinados<br />

pela sua imagem do espelho exatamente no ponto em que os animais se<br />

desinteressam dela, quando descobrem que se trata deles mesmos, que não<br />

há outro espécime ali. Nós nos compreendemos como sendo “um”, justamente<br />

quando nos vemos como “outro”, ou seja, quando nos vemos vistos de fora. Foi<br />

isso que levou o psicanalista Winnicott (1975) a colocar o olhar da mãe como<br />

esse espelho no qual a criança se vê para se crer.<br />

Para ampliar essa compreensão, convém observar o fenômeno da<br />

transitividade, descrito por Lacan, característico das crianças bem pequenas,<br />

que batem no amiguinho e choram como se tivessem apanhado, confundindose<br />

com ele. São as mesmas que disputam a mordidas e beliscões o brinquedo<br />

na pracinha, como se a diferença existente entre a criança que possui o balde<br />

de areia e outra que não o possui fosse insuportável e fascinante. Esses percalços<br />

cômicos da primeira infância ajudam-nos a compreender que a separação<br />

entre a imagem de si e as várias versões especulares de sua duplicação (nas<br />

outras crianças, nos irmãos, no olhar da mãe) são uma forma rudimentar de<br />

estar no mundo 22 . Não seria de estranhar, portanto, que essas experiências<br />

deixassem rastros na fantasia dos que já cresceram.<br />

O filho é uma duplicação de nosso ser de criança, ele desperta os restos<br />

adormecidos do passado, de tal forma que desde sua condição fetal já levará<br />

sua mãe a vivenciar a reprodução da própria infância. A partir do momento em<br />

que a gestante começa a colecionar os objetos que lhe serão úteis após o<br />

nascimento, como fraldas, roupas minúsculas, mamadeiras, ela sabe que voltará<br />

a envolver-se maciçamente com velhos temas, como a sucção e os dejetos.<br />

Mesmo que de forma inconsciente, lembrará do quanto um filho é egoísta, que<br />

ele ocupa a vida da mãe de forma totalitária, assim como ela própria havia feito<br />

com a sua. Identifica-se então duplamente, com a mãe que está se tornando e<br />

com a cria despótica que foi, e talvez não haja lugar para os dois neste mundo.<br />

22 “[...] é numa identificação com o outro como vive toda a gama das reações de prestância e de<br />

ostentação, das quais sua conduta revela com evidência a ambivalência estrutural, escravo<br />

identificado com o déspota, ator com o espectador, seduzido com o sedutor. Essa relação<br />

erótica na qual o indivíduo humano fixa-se numa imagem que o aliena de si mesmo, tal é a energia<br />

e tal é a forma onde se origina essa organização passional a que chamará seu ‘eu’. Essa forma<br />

se cristalizará efetivamente na tensão conflitiva interna ao sujeito, que determinará o despertar<br />

de seu desejo pelo objeto de desejo do outro”. Lacan, Jacques. La agresividad en psicoanalisis.<br />

In: ___. Escritos. Siglo Veintiuno Editores. p. 106.<br />

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