Revista n.° 34 - APPOA

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TEXTOS Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. <strong>34</strong>, p. 123-139, jan./jun. 2008 CRIAÇÃO CONTEMPORÂNEA E ANGÚSTIA Jaime Betts 1 Resumo: O artigo aborda a angústia diante dos desafios e impasses à sobrevi- vência humana conforme são retratados em algumas criações artísticas con- temporâneas, nas quais o real tende a ser progressivamente apresentado ao invés de representado. Palavras-chave: angústia, criação, pesadelo, pulsão escópica. CONTEMPORARY CREATION AND ANXIETY Abstract: This paper addresses the anxiety felt before the challenges and impasses for human survival as pictured by some contemporary artistic creations in which the real is progressively presented rather than represented. Keywords: anxiety, creation, nightmare, scopic drive. 1 Psicanalista; Membro da <strong>APPOA</strong>; Co-Autor dos livros Sob o véu transparente – recortes do processo criativo com Claudia Stern (Ed. Território das Artes, 2005) e (Re)velações do olhar – recortes do processo criativo com Liana Timm (Ed. Território das Artes, 2005). E-mail: jbetts@terra.com.br 123
124 Jaime Betts O início da era moderna é situado freqüentemente com a descoberta da América em 1492, por Cristóvão Colombo, e com o Renascimento. Nessa época, a pintura e a escultura tinham ainda a finalidade de fornecer belos objetos de que as pessoas da aristocracia ociosa pudessem desfrutar. O debate girava, então, em torno do significado do belo, no sentido de se tratar da habilidosa imitação da natureza ou se a verdadeira beleza estava na “capacidade do artista para ‘idealizar’ a natureza” (Gombrich, 1999, p. 475). A era da razão toma corpo com o advento da Revolução Francesa, em 1789. Nesse período, começam os primeiros sinais da construção da consciência individual, de que era possível romper com a tradição em nome de um estilo pessoal. Nas artes, a pintura passa de ser ofício transmitido de mestre a aprendiz e se converte numa disciplina a ser ensinada em academias, e as obras vão deixando de ser dirigidas por encomenda dos mecenas e passam a disputar espaço nas exposições anuais de arte, que se transformavam em tema de conversa nas rodas sociais da elite da época nas quais essa se dedicava à disputa de fazer ou desfazer reputações (e valorizar, com isso, seus investimentos em obras de arte deste ou daquele artista). Isso levou muitos artistas a procurarem novos assuntos, freqüentemente espetaculares e inusitados face à tradição, que, por sua vez, lutava para sobreviver nos novos tempos. Ou seja, o mais notável efeito da ruptura com a tradição foi o fato de os artistas se sentirem “livres para passar ao papel suas visões pessoais, algo que até então só os poetas costumavam fazer” (Gombrich, 1999, p. 488). Segundo Gombrich, o mais notável exemplo dessa nova abordagem da arte foi o poeta e artista inglês William Blake (1757-1827), que vivia num mundo de sua própria criação, recusando-se a aceitar os padrões oficiais das academias, sendo considerado completamente louco. “Blake foi o primeiro artista, depois da Renascença que se rebelou conscientemente contra os padrões aceitos da tradição” (Gombrich, 1999, p. 490). Curiosamente, Gombrich não menciona Henri Fuseli (1741-1825) em seu livro sobre a história da arte. Fuseli era contemporâneo de Blake e mantiveram um longo, complexo e duradouro relacionamento, sendo que Fuseli tornou-se um dos pilares do establishment britânico das artes. No final do século XVIII, a Inglaterra vivia um cenário social e político conturbado, com as Gordon Riots em junho de 1780, banhadas em sangue, em resposta às reformas que permitiam a católicos alguma dignidade e liberdade equivalente à concedida aos que seguiam a Igreja Anglicana. Essas revoltas deixaram patentes que, sob a fachada da era da razão, em seu regime anglicano
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