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Criação contemporânea e angústia<br />
residiam paixões e preconceitos tão explosivos quanto aqueles atribuídos aos<br />
católicos.<br />
Os seis dias de revoltas de Gordon revelaram rachaduras no edifício do<br />
recentemente criado Estado britânico, moderno e comercial. O questionamento<br />
de fundo era se seus fundamentos de razoabilidade, racionalidade e empirismo<br />
podiam ser sustentados.<br />
Foi no seio dessas rachaduras do edifício cultural georgiano que se definiu<br />
e se deu poder ao gótico, sob suas formas plásticas, literárias e visuais, pois<br />
em ambas as formas de expressão artística se expunham as maiores suspeitas<br />
de horrores ocultos sob a era iluminada pela razão.<br />
Foi nesse contexto histórico, político e cultural que Henri Fuseli produziu<br />
seu quadro mais famoso em 1781: O pesadelo (Fig. 1). Essa obra interroga a<br />
era da razão num contexto de violência e horror, dando lugar ao nascimento do<br />
gótico, com seu gosto pelo fantástico e sua crença no sobrenatural, que dominou<br />
a cultura britânica de 1770 a 1830.<br />
Desde sua exibição na Royal Academy, em 1782, esse quadro criou uma<br />
sensação e se tornou desde então a imagem-ícone do horror, uma imagem<br />
duradoura do terror sexual. Segundo a curadoria da exposição Gothic nightmares,<br />
na Tate Britain (2007), Fuseli queria que seu quadro chocasse, intrigasse, e que<br />
também criasse para si uma reputação como artista, coisa que conseguiu triunfalmente.<br />
O pesadelo tem sido copiado e panfletado inúmeras vezes ao longo do<br />
século XIX e continua a exercer sua influência até os dias de hoje, inspirando<br />
artistas, pensadores, escritores, diretores e roteiristas de filmes de estilo gótico,<br />
bem como o cartaz da Jornada da <strong>APPOA</strong> : Angústia na Clínica Psicanalítica-2007.<br />
A organização temática da exposição Gothic nightmares, na Tate Britain<br />
(primeira exposição a abordar seriamente o tema nas artes visuais), tendo como<br />
eixo a obra de Henri Fuseli e William Blake, entre outros nomes, abrange a arte<br />
do horror, o classicismo perverso, em que os artistas evocam a tradição antiga<br />
e renascentista, mas com novo interesse no sexo e na violência, buscando<br />
chocar e confrontar o espectador com o horror corporal. Os super-heróis góticos<br />
são caracterizados por uma visão sublime como aprisionados e torturados. Os<br />
contos e lendas góticos enfocam temas da magia, terror e romance. Embora no<br />
final do século XVIII já não se acreditasse tanto em bruxas e em fantasmas, o<br />
gosto pelo sobrenatural tornou-se um gênero prevalente na cultura. Fadas e<br />
mulheres fatais foram tema cultivado, assim como a Revolução Francesa foi<br />
combinada de forma ambivalente com revelações e um cenário apocalíptico,<br />
sem que se pudesse saber se o caminho apontava em direção à utopia ou a<br />
uma monstruosidade caricatural.<br />
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