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Angústia e morte...<br />
do homem na cadeia significante funda o desejo. Entretanto, nessa operação de<br />
entrada do sujeito na linguagem e da inscrição desta no corpo – o que conseqüentemente<br />
vai separar sujeito e objeto – existe algo que fica fora dessa inscrição,<br />
é o que Lacan vai chamar, numa primeira aproximação, de libra de carne.<br />
Nesse contexto, nos lembra do Mercador de Veneza de Shakespere, e<br />
do momento em que o mercador, um judeu chamado Shylock, quer que o pagamento<br />
da dívida seja feita com uma libra de carne retirada bem perto do coração<br />
de seu devedor. Essa libra de carne é, então, alçada à condição de zona sagrada,<br />
e é com ela que, na hora da verdade, vamos fazer o acerto de contas. Na<br />
hora da verdade nos defrontamos com a maldade divina, e é com nossa carne<br />
que vamos saldar a dívida.<br />
Nesse ponto, Lacan nos fala do sentimento anti-semita e de quanto esse<br />
sintoma está mais do que articulado, mas vivo nessa zona sagrada, como um<br />
resto que faz função. Nas palavras do autor:<br />
[...] é alguma coisa que sobrevive à prova da divisão do campo do<br />
Outro pela presença do sujeito, alguma coisa que está formalmente<br />
metaforizada, em tal passagem bíblica, na imagem do toco, do<br />
tronco cortado, de onde o novo tronco ressurge nessa função viva<br />
no nome do segundo filho de Isaías, Chear-Yachoub (Lacan, [1962-<br />
1963] 1997, p. 258-59).<br />
Sintetizando, na constituição do sujeito, no ingresso do sujeito na linguagem<br />
vamos encontrar o desejo como causa, ligado à inscrição do significante e<br />
da perda do objeto a, objeto-causa do desejo. E, por outro lado, o sintoma<br />
implicado nesse processo vinculado em certa relação com a função de resto<br />
desse mesmo objeto. Como Lacan nos define mais adiante nesse seminário:<br />
a, nós o definimos como resto da constituição do sujeito no lugar<br />
do Outro, na medida em que ele tem que se constituir enquanto<br />
sujeito falante, sujeito barrado, $ (Lacan, [1962-1963] 1997, p. 326).<br />
Quando ingressamos em um corpo de linguagem estrangeiro percebemos<br />
a necessidade de incorporação dessa linguagem para poder habitar o território.<br />
Tem-se a vivência de um ser outro-Outro e nos defrontamos com o discurso<br />
do mestre de uma cultura, que ordena a maneira de gozo. A dimensão do<br />
gozo está presente nessa operação, como nos lembra Lacan (1968-1969) no<br />
seminário De um Outro ao Outro. É o correlato da constituição do sujeito e sua<br />
entrada na linguagem.<br />
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