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Criação contemporânea e angústia<br />
Vera Chaves comentou que sua idéia original na montagem da obra era<br />
que cada imagem fosse exposta uma por uma, formando uma seqüência, ao<br />
invés de serem mostradas em conjunto, como foi o caso na exposição retrospectiva<br />
(fig. 4). O que vemos depende em parte da seqüência que montemos. A<br />
questão é o que nos olha de volta.<br />
O que vemos pode oportunizar percebermos o olhar que vem do objeto a,<br />
que a artista soube, sobretudo inconscientemente, inscrever em seu trabalho. A<br />
boa arte visual consegue incluir na obra o objeto a do olhar que causa o desejo<br />
de criar do artista, e que ele luta para realizar em sua obra.<br />
Vemos aquilo no qual o eu reconhece algo que lhe diz respeito e produz<br />
certo efeito de captura imaginária, o que torna as imagens um mundo em que é<br />
mais fácil ocultar a castração. O olhar, diz Lacan, citando Merleau-Ponty, está<br />
no mundo. Como a linguagem, o olhar preexiste ao sujeito, que “é olhado de toda<br />
parte.” (Merleau-Ponty apud Lacan [1964], 1979, p. 73). Sendo assim, a tendência<br />
é de que o sujeito se sinta ameaçado pelo olhar que interroga esse sentido<br />
que o eu identifica como dizendo respeito à sua identidade e integridade corporal.<br />
Nesse sentido, Lacan questiona o sujeito que se crê um individuo, autônomo,<br />
que reconhece a si mesmo na auto-consciência, achando-se mestre da<br />
representação. Ou seja, o indivíduo crê ser aquilo que vê, que os objetos são<br />
como ele os percebe. Ele acredita nas aparências, que ele e os objetos são<br />
aquilo que parecem ser.<br />
No âmbito da pulsão escópica, Lacan (1979, p. 104) afirma que o sujeito<br />
é fixado e dividido entre dois cones: o cone da visão que emana do sujeito como<br />
ponto geometral em direção ao objeto, do qual forma uma imagem que ele acredita<br />
ser, ponto a ponto idêntico, ao mesmo.<br />
De outro lado, está o cone do olhar, que emana do objeto como ponto de<br />
luz do olhar, que ofusca o sujeito, a menos que ele possa mediar essa exposição<br />
ao real do olhar através do anteparo de uma tela que o domestique numa<br />
imagem sobre a qual possa projetar seus fantasmas.<br />
O que Os manequins de Dusseldorf fazem pensar é que fantasmas o<br />
olhar ali inscrito suscita?<br />
Primeira observação: os manequins bem vestidos, glamurosos e fashion,<br />
de um lado, remetem à sedução narcísica das vitrinas, ao sex appeal dos signos-comodities<br />
feminilizados, assim como ao feminino ‘comoditizado’. Sua eficácia<br />
se dá pelo fato de remeterem estruturalmente à imagem especular em<br />
que podemos nos reconhecer como uma boa forma narcisicamente totalizante,<br />
objetos de gozo fálico uns para os outros.<br />
Segunda observação: na seqüência, os manequins, com os quais o sujeito<br />
se identifica, começam a mostrar sua face de objeto de gozo do Outro, na<br />
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