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Um monstro no ninho<br />
obras que analisamos) assistem ao apogeu da mãe-dona-de-casa, cujo condicionamento<br />
ideológico pelos media e pelos psicanalistas é denunciado em 1963<br />
por Betty Friedan 27 . Portanto, apesar da antiguidade do questionamento psicanalítico<br />
a respeito do tema, através da elaboração precursora da Dra. Hilferding,<br />
esse tema permaneceu longe do público.<br />
Se sentimos muito medo quando a nossa casa deixa de ser segura,<br />
quando escutamos uma história de invasores extra-terrestres ou sobrenaturais,<br />
ou ouvimos estalos e rangidos que nos deixam inseguros, imagine quando a<br />
desconfiança e o pânico invadem nossa primeira morada, lugar do mais visceral<br />
dos vínculos, o único que é inextinguível e indelével: a relação entre os pais e o<br />
filho, mais especificamente da mãe com seu bebê.<br />
Acontece com freqüência que os neuróticos do sexo masculino<br />
declaram que sentem haver algo estranho no órgão genital feminino.<br />
Esse lugar unheimlich (estranho), no entanto é a entrada para<br />
o antigo heim (lar) de todos os seres humanos, para o lugar onde<br />
cada um de nós viveu no princípio. [...] Sempre que um homem<br />
sonha com um lugar ou um país e diz a si mesmo, enquanto ainda<br />
está sonhando ‘esse lugar é me familiar, estive aqui antes’, podemos<br />
interpretar o lugar como sendo os genitais de sua mãe ou o<br />
seu corpo (Freud ([1919]1987), p. 305).<br />
Na anterior citação, fica explícita a relação de todos nós, homens e mulheres,<br />
com esse primeiro lar, o original e originário. As mulheres e a maternidade<br />
sempre foram guardiãs do doméstico, do mundo interno, do conhecido, do<br />
familiar; elas constituíam um ponto seguro de partida para um mundo inseguro.<br />
Desde que elas passaram a considerar a maternidade como uma opção, não<br />
mais um destino inevitável, então se abriu mais uma brecha para o medo, o<br />
estranhamento, que, como se vê, já habitavam esse ninho.<br />
As obras de terror, elaborações artísticas da angústia, são bons índices<br />
dos pontos frágeis de uma época, refletem os cantos escuros onde o desamparo<br />
nos aguarda de tocaia, para se atirar sobre nós. Trata-se de algo muito diferente<br />
do medo real, pois nunca se morreu tão pouco de parto quanto hoje, e<br />
nunca tantos filhos sobreviveram à primeira infância.<br />
27 Duby, Georges; Perrot, Michelle. A história das mulheres no Ocidente. Vol.5: século XX. Porto:<br />
Edições Afrontamento, 1995.<br />
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