Revista n.° 34 - APPOA

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Um monstro no ninho obras que analisamos) assistem ao apogeu da mãe-dona-de-casa, cujo condicionamento ideológico pelos media e pelos psicanalistas é denunciado em 1963 por Betty Friedan 27 . Portanto, apesar da antiguidade do questionamento psicanalítico a respeito do tema, através da elaboração precursora da Dra. Hilferding, esse tema permaneceu longe do público. Se sentimos muito medo quando a nossa casa deixa de ser segura, quando escutamos uma história de invasores extra-terrestres ou sobrenaturais, ou ouvimos estalos e rangidos que nos deixam inseguros, imagine quando a desconfiança e o pânico invadem nossa primeira morada, lugar do mais visceral dos vínculos, o único que é inextinguível e indelével: a relação entre os pais e o filho, mais especificamente da mãe com seu bebê. Acontece com freqüência que os neuróticos do sexo masculino declaram que sentem haver algo estranho no órgão genital feminino. Esse lugar unheimlich (estranho), no entanto é a entrada para o antigo heim (lar) de todos os seres humanos, para o lugar onde cada um de nós viveu no princípio. [...] Sempre que um homem sonha com um lugar ou um país e diz a si mesmo, enquanto ainda está sonhando ‘esse lugar é me familiar, estive aqui antes’, podemos interpretar o lugar como sendo os genitais de sua mãe ou o seu corpo (Freud ([1919]1987), p. 305). Na anterior citação, fica explícita a relação de todos nós, homens e mulheres, com esse primeiro lar, o original e originário. As mulheres e a maternidade sempre foram guardiãs do doméstico, do mundo interno, do conhecido, do familiar; elas constituíam um ponto seguro de partida para um mundo inseguro. Desde que elas passaram a considerar a maternidade como uma opção, não mais um destino inevitável, então se abriu mais uma brecha para o medo, o estranhamento, que, como se vê, já habitavam esse ninho. As obras de terror, elaborações artísticas da angústia, são bons índices dos pontos frágeis de uma época, refletem os cantos escuros onde o desamparo nos aguarda de tocaia, para se atirar sobre nós. Trata-se de algo muito diferente do medo real, pois nunca se morreu tão pouco de parto quanto hoje, e nunca tantos filhos sobreviveram à primeira infância. 27 Duby, Georges; Perrot, Michelle. A história das mulheres no Ocidente. Vol.5: século XX. Porto: Edições Afrontamento, 1995. 111
112 Mário Corso e Diana Lichtenstein Corso Se, da morada original não se sabe mais o que esperar, seu primeiro habitante, o bebê humano ou a criança que dele advirá também pode ser perigoso, imprevisível, pouco familiar. Acreditamos que essas monstruosidades representam a vingança dos filhos que a mulher passou a ter o direito de não querer, são a figura duplicada da mãe contrariada com sua presença. Frente à explicitação das incertezas e ambigüidades da mãe, a figura do desamparo que isso abre torna-se um monstro. Já não estamos mais seguros em lugar algum; a consciência é incerta, a mãe poderia não querer sê-lo, a família pode não ser capaz de fazer da criança um ser humano saudável. Excessivamente conscientes da nossa fragilidade, vamos imaginando monstros, como uma criança pequena adivinhando o que se esconde nas sombras de seu quarto enquanto o sono não vem. Sem a mamãe, fica mesmo difícil dormir em paz. REFERÊNCIAS BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1960. CHATEL, Marie-Magdeleine. Mal-estar na procriação: as mulheres e a medicina da reprodução. Rio de Janeiro: Editora Campo Matêmico, 1995. DEUTSCH, Helene. La psicologia de la mujer. Buenos Aires: Ed. Losada, 1960. DUBY, Georges; Perrot, Michelle. A história das mulheres no Ocidente: século XX. Porto: Edições Afrontamento, 1995. v.5. FREUD, Sigmund. O estranho [1919]; In: ______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1987. v.7. FRIEDAN, Betty. The feminine mystique. New York: Norton, 2001. HR Giger ARh+, editora Paisagem-Taschen, 2004. Ou no site www.hrgiger.com. LACAN, Jacques. O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica [1949]. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed., 1998. LACAN, Jacques. La agresividad em psicoanalisis [1948]. In: ______. Escritos. Siglo Veintiuno Editores. PAPINI, Giovanni. Dos imágenes en un estanque. In: El piloto ciego. Madrid: Hyspamerica Ediciones, 1985. SHRIVER, Lionel. Precisamos falar sobre Kevin. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2007. VIANNA, Helena B. e PINHEIRO, Teresa. As bases do amor materno. São Paulo: Escuta, 1991. WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Recebido em 10/04/2008 Aceito em 05/05/2008 Revisado por Siloé Rey
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