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Transferência e angústia...<br />
Não podemos nos esquecer, no entanto, de que as toxicomanias são<br />
apresentadas como uma das saídas para a angústia, pelo discurso contemporâneo,<br />
em sociedades que têm o consumo como uma de suas políticas principais.<br />
Isso nos conduz a apontar a homogeneização das toxicomanias, quando,<br />
por exemplo, as nomeamos no singular. Tomar as toxicomanias como se não<br />
houvesse diferenças entre as várias posições toxicomaníacas ou, ainda, tratar<br />
da mesma forma o dispositivo de consumo de drogas e as diversas posições<br />
toxicomaníacas é realçar o tóxico no lugar do sujeito. Imagens de intoxicação,<br />
no dizer de Le Poulichet (1990). Imagens pelas quais o analista pode ser facilmente<br />
capturado, na tentativa de trabalhar com a angústia, quando o sofrimento<br />
se organiza a partir de uma toxicomania grave. Uma modalidade de consumo<br />
que prioriza a dessubjetivação. O sujeito apagado e o tóxico iluminado angustiam<br />
o analista.<br />
É esse o eixo do nosso trabalho, apresentar algumas situações clínicas<br />
que nos permitam percorrer uma trama de transferência, narrando algumas situações<br />
nas quais a angústia toma conta da cena analítica.<br />
A angústia na transferência<br />
NO FIO DA NAVALHA<br />
O percurso analítico de Dado traz como uma de suas perguntas principais:<br />
“sou viciado?” A busca dessa resposta direciona-se aos pais e à analista.<br />
A mãe e a escola confirmam o “diagnóstico”; o pai o nega, porém, apontando os<br />
cuidados necessários para não se transformar num. A analista questiona a certeza<br />
materna, abrindo a possibilidade para que ele possa escutar quem o nomeia<br />
a partir de outra posição, que não a das drogas.<br />
O processo terapêutico de Dado foi marcado pela escuta das questões<br />
referentes às drogas, sem optar por reforçar a “ruindade” ou a “bondade” delas,<br />
para que ele pudesse realizar todas as perguntas necessárias sobre sua adolescência<br />
e deslizar o foco do seu discurso, das drogas para as outras “questões<br />
da vida” (segundo suas palavras): escola, sexualidade, etc.<br />
Nesse processo, a palavra de quem lhe devolve uma imagem que não<br />
inclui as drogas passa por momentos de descrédito, precisando ser sustentada<br />
pela analista. Momentos de angústia produzidos no processo analítico e na<br />
relação transferencial, momentos nos quais qualquer erro terapêutico poderia<br />
indicar-lhe os tóxicos como o percurso de referência para a vida.<br />
A angústia apareceu em diferentes cenários, ao longo do percurso de<br />
tratamento. Em alguns momentos, Dado incursionou pelo intenso uso de diferentes<br />
drogas, momentos nos quais as referências de “viciado” voltavam com<br />
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