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Revista n.° 34 - APPOA

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Mário Corso e Diana Lichtenstein Corso<br />

Portanto, no ato de separação do nascimento, para nascerem a mãe e o<br />

filho, morrem duas identidades já conhecidas: a grávida e o feto idealizado. O<br />

filho da fantasia, que nunca nasce, é uma espécie de complemento perfeito da<br />

mãe, a ele caberia reproduzir, do lado de fora, a fusão que existia dentro. Seu<br />

seio e ele encaixariam como feitos um para o outro, os ritmos de mãe e filho já<br />

começariam mutuamente ajustados e ela sempre compreenderia seus anseios.<br />

Pode parecer estranho, mas é bom que não seja assim. Apesar de que<br />

bons acordos entre eles sejam fundamentais, é nos interstícios dessa comunicação<br />

imperfeita que nasce um ser humano, modelado tanto pelo amor e os<br />

cuidados, quanto pelas frustrações, ausências e desencontros. É nos momentos<br />

em que a mãe se ausenta, ou que ela não compreende bem os anseios de<br />

seu bebê, que a criança precisa inventar-se. Para tanto, o filho criará para si<br />

uma representação do seio materno, símbolo do encaixe, recorrendo a seu dedo,<br />

à sucção da língua, a um trapinho, um bico, para aplacar a dor dessa falta.<br />

Esses sutis desencontros são também oportunidades de descobrir como chamar<br />

por atenção, vocalizando, assim como de aprender a distrair-se consigo<br />

mesmo, desenvolvendo a capacidade de brincar.<br />

Cada filho é visto como uma caixa de surpresas, ou até mesmo como<br />

uma caixa de Pandora, que contém nossos sonhos, mas também nossos pesadelos.<br />

Num filho se revelará o que não sabemos que somos e queremos; porém,<br />

isso assustadoramente terá vida própria. Ele é um pedaço de nós que ruma<br />

incessantemente para fora de nossos domínios, parte todos os dias de sua vida,<br />

levando consigo os segredos dos pais: alguns, ele os carregará em silêncio,<br />

como um fardo; outros, ele os dramatizará, jogando na cara deles tudo aquilo<br />

que eles nunca quiseram ver, como uma providência inconsciente para aliviar<br />

seu peso. Um filho, em suas palavras ou atos, revela os porões da nossa alma,<br />

parecendo-se com uma duplicação maligna, jogando com nossa fragilidade.<br />

O mecanismo, em A profecia, é o da projeção, na qual é atribuída ao filho<br />

a ausência de desejo da mãe. Mediante esse expediente, seria o filho que quereria<br />

eliminá-la, ao invés de ser descartado. Como costuma acontecer em todas<br />

as histórias de duplos, ele considera que não há lugar para os dois, precisará<br />

matá-la para viver. Embora a personagem da mãe, nesse filme, desejasse ter<br />

um filho, não era esse que viveu no lugar do seu amado feto a quem ela queria.<br />

Aqui temos a troca de bebês como um fato, mas o medo de que isso<br />

aconteça costuma assombrar os casais na maternidade. Algumas vezes ocorre<br />

que o bebê que aparece como usurpador do lugar do verdadeiro, o cuco, é o<br />

próprio, o recém-nascido que saiu de dentro das entranhas da mãe. Apenas ele<br />

não pôde ocupar um lugar no coração dela, que não suporta sua presença real,<br />

apegada à fantasia que, sim, sentia como realmente sua.

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